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Igor Santiago fala à Folha sobre cobrança de débitos tributários


A edição de hoje do jornal Folha de São Paulo traz matéria sobre o projeto de lei a ser apresentado pelo Governo Federal para mudar a forma de cobrança das dívidas tributárias. A reportagem ouviu Igor Mauler Santiago.

Por dívida, Fazenda quer bloquear bens  

Projeto de lei, que Mantega levará também ao STF, visa agilizar processos de cobrança de dívidas totais de R$ 600 bi Ministério quer poder para bloquear bens de devedores sem autorização judicial; bancos ganhariam para cobrar pequenas dívidas

LEANDRA PERES

DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

Como parte do esforço para arrumar recursos para investimentos previstos no PAC (Programa de Aceleração do Crescimento), o governo apresenta hoje um plano para apressar a cobrança de dívidas com a União, que somam R$ 600 bilhões, incluindo a possibilidade de bloquear bens de devedores sem autorização judicial.  

As empresas e pessoas físicas que têm dívidas acima de R$ 10 milem discussão na Justiça também poderão negociar o pagamento diretamente com o governo federal, obtendo descontos de multas e juros, conforme propostaem discussão no Ministério da Fazenda. Já a cobrança de dívidas abaixo de R$ 10 mil será, de acordo com o plano, terceirizada para instituições financeiras, que negociarão com os devedores e receberão uma remuneração do governo pelo dinheiro que conseguirem recuperar. Essas mudanças estão incluídas em dois projetos de lei que serão apresentados hoje pelo ministro Guido Mantega (Fazenda) à ministra Ellen Gracie, presidente do STF (Supremo Tribunal Federal).  

"O Judiciário é hoje a primeira alternativa para solucionar [dívidas com a União]. Achamos que o Judiciário tem de ser a última instância. A primeira tem de ser um entendimento na esfera administrativa", diz Luís Inácio Adams, procurador-geral da Fazenda Nacional, responsável pela cobrança judicial dos débitos da União.  

Na prática, o governo vai tentar que o Congresso aprove uma menor interferência do Judiciário na cobrança das dívidas e, por conseqüência, mais poder para o Executivo receber dos devedores.  

As novas regras, no entanto, só valem para dívidas que estão em fase de execução judicial, ou seja, já foram discutidas pelos contribuintes com a Receita Federal e o INSS ou aquelas que o contribuinte não recorreu da multa e não pagou na esfera administrativa e o governo está fazendo a cobrança.  

O projeto do governo prevê que os contribuintes possam entrar com um pedido formal de negociação com a Procuradoria Geral da Fazenda Nacional, que terá prazo máximo de 120 dias para analisá-lo. Vantagem A grande vantagem para o devedor é que, diferentemente da disputa da Justiça, não será preciso apresentar bens em garantia para requisitar essa negociação.  

Nesse período, as partes terão de chegar a um entendimento sobre a disputa, e o acordo será submetido à aprovação de uma câmara especialmente criada na Procuradoria para analisar essas decisões.  

Uma vez fechado o acordo, o contribuinte fica obrigado a desistir de ações judiciais sobre o tema e a fornecer ao governo informações sobre a situação financeira da empresa, como o movimento de caixa, para que os procuradores verifiquem o cumprimento do acordo por um prazo de cinco anos.  

Será possível negociar descontos das multas e dos juros sobre a dívida, que no caso da União chegam a 70%, em média. Mas não haverá discussão sobre o valor do imposto originalmente devido. Esse o governo cobrará de forma integral.  

Para garantir que não haverá benefícios indevidos, serão criadas algumas travas. Além da decisão colegiada da câmara, a Procuradoria não negociará o mesmo tema duas vezes. Uma vez feito um acordo, a regra valerá para todos os contribuintes na mesma situação.  

Quem descumprir o acordo também será punido com a perda de todos os benefícios negociados e, se ficar comprovado que escondeu bens, por exemplo, poderá ser condenado a até cinco anos de prisão.  

O bloqueio de bens, conforme a proposta, será feito depois que a Procuradoria notificar o contribuinte via correio. Avisado, o devedor terá 30 dias para pagar, parcelar ou apresentar bens em garantia, e ainda outros 60 dias para recorrer judicialmente da cobrança, pedindo até uma liminar que suspenda a execução da dívida.  

Se nada disso for feito, os procuradores poderão pedir aos bancos, por exemplo, que façam o bloqueio de aplicações vinculadas a contas correntes de devedores empresas ou pessoas físicas. Também poderão requisitar a penhora de imóveis e de bens como automóveis e barcos. O governo poderá leiloar o bem ou seqüestrar os recursos da conta corrente se não houver nenhuma contestação do contribuinte na Justiça. Em caso de recursos dos devedores, o valor fica depositado em juízo até a decisão final. Pequenos devedores Quem deve menos de R$ 10 mil será cobrado por bancos contratados pela União. Os parâmetros de negociação, como valor dos descontos, serão definidos pelo governo, que pagará uma comissão às instituições financeiras pelos valores recuperados. Há 13,5 milhões de registros na dívida da União com valor abaixo de R$ 10 mil e, no total, esses contribuintes devem cerca de R$ 12 bilhões.  

   

Medidas podem reduzir direito de defesa e aliviar o Judiciário, dizem especialistas  

A proposta de mudanças no processo de cobrança das dívidas judiciais da União, com menor participação do Judiciário e mais autonomia para o Executivo, não é unanimidade entre especialistas da área tributária, especialmente no caso do bloqueio de bens sem participação do Judiciário.  

O juizWalter Nunes , presidente da Ajufe (Associação dos Juízes Federais do Brasil), diz ser pessoalmente favorável à proposta apresentada pelo governo. De acordo com ele, as mudanças não comprometem o direito de defesa do contribuinte e podem reduzir o número de ações. Atualmente, das 14 milhões de ações no Tribunal de Justiça de São Paulo, 7 milhões são de cobrança das dívidas da União.  

"O Judiciário se transformou num localizador de bens e de devedores. Quem deve fazer esse trabalho é quem cobra a dívida", diz Nunes. A Ajufe ainda não tem uma posição formal sobre o projeto.  

O tributarista Bruno Aguiar, do escritório Rayes, Fagundes & Oliveira Ramos Advogados, afirma ser contra a penhora administrativa, mas vê a negociação direta com o governo como uma vantagem.  

Segundo Aguiar, o que ocorrerá na prática é que o contribuinte só terá a oportunidade de discutir seus direitos depois que seus bens já tiverem sido penhorados. "No mundo real, se houver um erro, o devedor não consegue ir à procuradoria e cancelar o processo. É uma rasteira nos contribuintes", afirma o tributarista.  

O advogado Igor Mauler Santiago, professor de direito tributário na UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais) e sócio do Sacha CalmonMisabel Derzi Consultores e Advogados, também questiona o bloqueio. "O Estado é um dos responsáveis pelo atulhamento do Judiciário e, para resolver um problema que é dele, vai suprimindo direitos de contribuintes", diz. Maior isenção Mauler também aponta como problema o fato de que um juiz tem maior isenção na avaliação dos bens dados em garantia, enquanto a procuradoria, como responsável no processo e também parte interessada, poderá ser tendenciosa. Para ele, o princípio da negociação entre governo e contribuinte pode ajudar a reduzir o número de ações na Justiça.  

O advogado Sérgio Bermudes diz ser favorável às propostas do governo. Na sua avaliação, o sistema atual é ruim tanto para o contribuinte, que fica anos discutindo um pagamento na Justiça, quanto para a União, que só recebe depois de 12 anos. "É altamente saudável. Moderniza e agiliza a cobrança das dívidas", diz Bermudes. (LP)  

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