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Eduardo Maneira e Marcos Maia têm artigo publicado no Valor Econômico

01 de outubro de 2014

O Jornal Valor Econômico publicou artigo dos sócios Eduardo Maneira e Marcos Correia Piqueira Maia, intitulado “Taxas: um caso de polícia”.

Taxas: um caso de polícia

VALOR-ECONOMICOPor Eduardo Maneira e Marcos Correia Piqueira Maia

Em setembro, a arrecadação de tributos no país atingiu a marca de R$ 1,2 trilhão (valor acumulado no ano), o que representa 25% do PIB brasileiro do ano anterior. Tamanha carga tributária, ao que parece, não é suficiente para saciar o apetite da União, dos Estados e dos Municípios, que mantêm uma busca incessante por novos recursos capazes de contribuir para o funcionamento da pesada máquina pública.

Nesse sentido, os entes federados começaram a lançar mão de uma espécie tributária que estava longe dos holofotes. Referimo-nos aqui à chamada “taxa de polícia”, prevista no artigo 145 da Constituição Federal, que vem sendo cobrada das concessionárias dos ramos de energia e telecomunicações sobre os diversos equipamentos que se encontram instalados nas vias públicas, como postes, orelhões, dutos e cabos de fibra óptica.

Inicialmente, vale registrar que a taxa de polícia só pode ser exigida quando a administração pratica de forma efetiva um ato destinado a regular ou fiscalizar a atividade do contribuinte, diferentemente do que se opera com a taxa cobrada pela prestação de serviços públicos, prevista no mesmo artigo constitucional, a qual deve ser paga independentemente do contribuinte tê-los utilizado ou não – ou seja, a mera colocação do serviço público à disposição do cidadão já é suficiente para que o tributo seja exigido, como a coleta de lixo domiciliar.

O uso equivocado da taxa de polícia chegou ao ponto de certos entes passarem a exigi-la sobre cabos colocados há anos no subsolo

Mesmo que a Constituição seja bem clara, os entes federados estão distorcendo a natureza da taxa de polícia com um único propósito: arrecadar mais. E o alvo são as concessionárias de serviços públicos, ao argumento de que os equipamentos instalados nas ruas, avenidas e praças seriam constantemente “fiscalizados”.

Os entes federados buscam fundamento de validade em alguns precedentes específicos do Supremo Tribunal Federal, como o que analisou a Taxa de Controle e Fiscalização Ambiental do Ibama, instituída pela Lei nº 6.938, de 1981 (com a redação da Lei nº 10.165, de 2000). Na oportunidade, o Supremo entendeu que a exação poderia ser cobrada sem a comprovação da atividade fiscalizadora, já que, pela notoriedade do aparato do Ibama para inspecionar empresas poluidoras, o exercício do poder de polícia poderia ser legitimamente presumido.

Assim, taxas em valores altíssimos – como as instituídas, por exemplo, pelos Municípios de Barra Mansa/RJ, Paraíba do Sul/RJ e Santo André/SP – vêm sendo exigidas das concessionárias sobre os seus equipamentos sem que haja qualquer espécie de fiscalização por parte do Poder Público.

A conclusão é simples: está-se aplicando a presunção em situações nitidamente descabidas, onde não há necessidade de fiscalizações regulares. Essas só se justificam se o seu objeto contiver elementos em constante alteração ou que estejam em pleno funcionamento. No caso de postes, orelhões, cabos e dutos, contudo, não existe o que ser inspecionado periodicamente, uma vez que esses equipamentos, depois de instalados, não sofrem alterações significativas, permanecendo nas vias públicas por décadas.

O que ocorre, portanto, é uma completa distorção do sistema, pois a cobrança de taxas de polícia nos moldes acima não está atrelada a uma fiscalização “efetiva” e nem a uma fiscalização “presumida”. Tem-se, na verdade, uma cobrança pelo simples uso e ocupação do solo sobre bens necessários à prestação de serviços de interesse da coletividade.

A utilização equivocada da taxa de polícia chegou ao ponto em que certos entes passaram a exigi-la sobre cabos colocados há anos no subsolo. Isso nos leva a fazer as seguintes indagações: será que a administração quebra anualmente ruas e praças para conferir se os cabos continuam no mesmo local? Ou será que tal exigência, como dito, fundamenta-se no simples uso e ocupação do solo? Diz-se isso porque o STF já se deparou com a cobrança de taxa pelo mero uso e ocupação do solo ao julgar o Recurso Extraordinário nº 581.947/RO, tendo, na oportunidade, declarado sua inconstitucionalidade por uma série de argumentos que se aplicam perfeitamente a essas supostas taxas de polícia.

Não nos causaria espanto se, em pouco tempo, for cobrada taxa de polícia dos proprietários de apartamentos sob a alegação de que todas as construções seriam constantemente fiscalizadas, pois o poder público precisaria averiguar se existem varandas fechadas irregularmente. Chancelar tais exações sobre cabos, postes e orelhões é o mesmo que conceder uma carta em branco aos entes federados, que estarão livres para eleger objetos “fiscalizáveis”, criando um caos no nosso já complicado sistema tributário.

É fundamental que o Poder Judiciário, diante do cenário acima, imponha limites a esse abusivo exercício da competência tributária, freando o apetite dos entes federados, seja em homenagem à Constituição, seja em respeito ao cidadão brasileiro.

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