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Misabel Derzi publica artigo sobre tributação e família no Estado de Minas


A edição de hoje do jornal Estado de Minas traz artigo da Profa. Misabel Derzi sobre a relevância do Direito Tributário na proteção à família. Eis a íntegra do estudo:  

Imposto sobre a renda e a aposentadoria da dona-de-casa

Misabel Abreu Machado Derzi – Advogada tributarista, professora das faculdades de Direito da UFMG e da Milton Campos, presidente da Associação Brasileira de Direito Tributário (Abradt) e sócia do escritórioSacha Calmon – Misabel Derzi Consultores e Advogados

No início do primeiro mandato presidencial, eu acreditava piamente que as novas reformas pretendidas pelo governo federal seriam marcadas pela razão (proporcionalidade e eficiência) e pela sensibilidade (em busca de maior justiça social e desenvolvimento). Quanta ingenuidade! Nenhum projeto abordando de forma integrada a proteção da família e a educação das novas gerações foi pensado, embora tantos países desenvolvidos já o tenham feito. A nobilíssima função de educação dos filhos, tarefa indispensável à formação das gerações futuras, prejudica todos aqueles que lhe são dedicados (na maioria das vezes, as mães) já que os benefícios previdenciários em geral levam em conta o tempo de contribuição e o seu valor.

As mulheres têm biografia social descontínua. Embora as creches e asilos públicos devam continuar existindo, como dever de prestação pública, as ordens jurídicas contemporâneas têm concluído que a atenção e o convívio familiar são insubstituíveis; os ônus relativos para o Estado, decorrentes dos “cuidados em família” com conseqüentes deduções a serem concedidas no imposto de renda, são muito menores do que a manutenção daquelas instituições; o casamento deve ser considerado uma comunhão de ganhos, mas o cônjuge que se mantém nas tarefas domésticas sofre perdas irreparáveis; o modelo familiar deve ser livremente adotado pelo casal, cabendo ao Estado impor medidas de compensação, para aquele que optar pelo trabalho doméstico, quer no direito previdenciário, quer no direito tributário; e, finalmente, as ordens jurídicas, que assimilaram os direitos fundamentais, eliminam a diferença entre o trabalho doméstico (que não aumenta diretamente a riqueza material, computada no PIB, mas relaciona-se com as atividades reprodutivas) e o trabalho de ganho aquisitivo (que interfere imediatamente nos resultados do PIB).

Nesse contexto, deveria ser introduzido, no direito civil e no previdenciário do Brasil, um instituto similar ao da Compensação de Amparo (CA), criação fascinante do direito alemão, que também é aceita na Suíça, Canadá, Holanda e em certos estados norte-americanos. A CA, pioneiramente estudada entre nós pela professora Miriam Campos, é a compensação que se processa por ocasião do divórcio, dos direitos e das expectativas previdenciárias entre cônjuges, de tal forma que, se um deles se dedicou total ou parcialmente às tarefas domésticas, prejudicando a sua formação profissional e o tempo de aquisição da aposentadoria, os direitos e expectativas são somados e seu valor conjunto dividido entre ambos. Sendo assim, pode-se dizer que a CA é um instituto progressista, que equipara o trabalho da dona-de-casa ao trabalho de aquisição fora do lar – seja ele qual for – e beneficia especialmente as mulheres de baixa renda, ou aquelas presas à economia informal, como doceiras, vendedoras em domicílio, faxineiras e diaristas.

Estudos como esses deveriam ser profundamente debatidos. O que é mais importante para a Previdência Social: o custo de tais inovações é nulo, pois a divisão das expectativas é feita entre os próprios cônjuges. Mas urge ainda reparar outras injustiças, sem ônus para a Previdência. O art. 17, da lei nº 9.876/99, dispõe que “a pensão por morte, havendo mais de um pensionista, será rateada entre todosem partes iguais.” Ora , se concorrem duas viúvas à pensão, não se distingue o fato de a primeira, por exemplo, ter vivido por 35 anos com o de cujus e de a segunda, sendo jovem de 18 anos, ter completado apenas um mês de convivência no casamento. É flagrante a injustiça do sistema nacional, que não considera, na formação do direito, o tempo de duração da convivência com o segurado.

O imposto sobre a renda em nosso país também há muito se afastou da proteção da família e da dignidade vital do contribuinte, que deveria ser tabu para o fisco. Em vários outros países, os cônjuges podem, ainda que haja um único provedor, se o quiserem, somar os seus rendimentos líquidos e, em seguida, dividi-los por dois, atraindo com isso alíquota mais reduzida e apurar o imposto a pagar para cada um deles. Além dos Estados Unidos (que hoje atenuaram essa divisão para as rendas mais altas), a Alemanha, Portugal e França adotam regras similares. É evidente que a proteção da família não se reveste mais daquelas características que tinha nos idos de 1940. Naquela época, impunha-se um modelo rígido de organização doméstica, sendo prestigiadas as famílias numerosas, então ligadas ao sentido de soberania pela ocupação do território nacional. Hoje, a proteção da intimidade é direito fundamental, de tal modo que os cônjuges devem continuar escolhendo se preferem declaração conjunta ou em separado. O modelo familiar deve ser flexível e o imposto de renda deve ser neutro, sem onerar de forma mais acentuada os lares de chefia feminina ou masculina, ou ainda compartilhada.

O splitting capta a real capacidade contributiva em um lar onde um dos cônjuges não exerce nenhuma atividade remunerada em prol da educação dos filhos ou tem renda mais baixa do que o outro (em geral a mulher), para considerá-lo contribuinte do imposto de renda na mesma proporção do outro. Exemplificando: em nossa ordem jurídica, se a família obtém renda líquida mensal de R$ 2,6 mil, proveniente de somente um dos cônjuges, ficaria sujeita à alíquota máxima (27,5%), pagando R$ 212,42 por mês. Implantado o sistema da divisão da renda familiar (splitting), a renda de cada um seria de R$ 1,3 mil e a alíquota cairia para 15%, pagando cada um deles, considerada a parcela dedutível, somente R$ 6,43 por mês. Quando a renda familiar conjunta alcança apenas R$ 1,3 mil, a sua divisão por dois levaria à isenção do casal. O ideal seria que o imposto de renda e a Previdência Social caminhassem juntos para amparar a dona-de-casa. Mas há países que consagram a aposentadoria da dona-de-casa, nos moldes acima referidos, sem adotar os benefícios do splitting no imposto de renda.

Tema tão relevante como esse não deveria ser por todos ignorado, em especial pelo governo federal.

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