Notícias
Artigo de Igor Mauler é destaque no Valor Econômico
16 de novembro de 2015
O Jornal Valor Econômico destacou artigo do sócio Igor Mauler Santiago, intitulado “Regularização pode dar em nada”, confira:
Regularização pode dar em nada
Por Igor Mauler Santiago
A globalização chegou aos fiscos. E o Brasil não ficou fora, como prova o recente tratado de troca automática de dados bancários com os EUA. Se poderá cumprir o prometido é outra história, pois o Supremo Tribunal Federal tem negado o acesso da Receita Federal, sem ordem judicial específica, ao sigilo bancário dos particulares.
Seja como for, as manchetes revelam que é cada vez mais perigoso manter patrimônio não declarado no exterior. O fato de essa ser uma boa notícia não impede a abertura de uma janela de regularização para aqueles que, no passado, deram o mau passo. Muitos países desenvolvidos têm trilhado esse caminho, sempre restringindo o benefício aos recursos de origem lícita.
Por três razões isso é oportuno no Brasil. Porque o nosso histórico de instabilidade econômica contribuiu para a fuga de capitais. Porque, ainda que o crime de sonegação possa estar prescrito (prazo de 12 anos), a evasão de divisas é delito autônomo que se renova enquanto os recursos permanecem fora, impedindo na prática a autodenúncia. E porque os pagamentos ligados à regularização podem melhorar as contas públicas sem aumento de tributos.
Melhor seria exonerar todos tributos e sanções federais e definir os 30% como multa criminal substitutiva das penas
A eficácia do programa depende essencialmente da segurança que inspire naquele que, afinal, vai confessar os seus crimes. E o projeto de lei do Executivo, alterado na Câmara (PL 2.960/2015), contém falhas que põem em dúvida as elevadas expectativas que o cercam. Trata-se, grosso modo, de pagar 30% do valor dos ativos regularizados (15% de imposto de renda e multa de igual valor), com exclusão de outras penalidades (multas tributárias e não tributárias), dos demais tributos federais e dos crimes de sonegação e evasão, bem como daqueles que lhes sejam associados.
O primeiro problema está em qualificar como tributo a importância a ser paga, o que impede a sua cobrança quando a riqueza evadida tiver sido gerada há mais de cinco anos. Presumir que o dinheiro foi ganho em 31/12/2014, como faz o projeto, não resolve, porque a decadência tributária é tema que não pode ser regido por lei ordinária e porque a manipulação da data de fatos geradores pretéritos foi recentemente invalidada pelo STF no contexto da tributação dos lucros no exterior (ADI nº 2.588/DF). O resultado, para os contribuintes que se animem a judicializar a questão, poderá ser a regularização sem pagamento algum – com perda para a União e ganho excessivo para o infrator.
Ademais, sendo imposto de renda, é inconstitucional vedar as deduções cabíveis e o cotejo, na declaração anual, com as antecipações feitas e com os prejuízos anteriores. Melhor seria exonerar todos os tributos e sanções federais e definir os 30% como multa criminal substitutiva das penas aplicáveis, eliminando esses focos de litígio. Sem isso, mesmo os contribuintes não beneficiados pela decadência poderão obter em juízo o direito à regularização mediante pagamento inferior ao esperado pelo governo.
Outra falha está em fechar as portas para quem já tenha sido definitivamente condenado por qualquer dos crimes que o projeto anistia. Isso ofende o princípio da retroação da lei penal mais benéfica e impõe ao contribuinte uma condição impossível: como ele poderia ter regularizado antes da condenação final, se a lei ainda não existia? Mais uma vez, o projeto parece ignorar a jurisprudência do STF, que foi exatamente nesse sentido ao discutir os efeitos penais da adesão ao Refis (RE nº 409.730/PR).
Os tributos estaduais e municipais são um capítulo à parte. Se os valores evadidos resultam de atividade comercial, haverá ICMS. Se da venda de um imóvel, ITBI. E assim por diante. Ora, a lei federal não tem autoridade para perdoar esses impostos. A promessa de que as informações prestadas pelo contribuinte não serão repassadas a Estados e Municípios é questionável à luz do princípio federativo: tem sentido a União intercambiar dados com o resto do mundo e os sonegar ao resto do país?
Parece fora de dúvida que ordens judiciais serão expedidas determinando o compartilhamento das declarações. Ademais, a promessa é pouco crível face ao que aconteceu com a CPMF, que primeiro não podia ser usada para a fiscalização de outros tributos (Lei 9.311/96, art. 11, § 3º), mas depois foi liberada para esse fim, inclusive com efeitos retroativos (Lei nº 10.174/2001) – o que foi considerado válido pelo STJ (REsp. nº 1.134.665/SP). Cedo ou tarde, a informação se espalhará.
Se estão mantidos os tributos locais, e a se extinção da punibilidade criminal decorre do pagamento (Lei nº 9.249/95, art. 34) – que será apenas de imposto de renda -, quem garante que ficarão afastadas também as acusações de sonegação no âmbito dos Estados e Municípios? O projeto, mesmo não podendo afastar os tributos locais, tinha condições de resolver este ponto específico, pois o Direito Penal é matéria federal. Mas não o faz a contento.
Não procede o temor de que a lei purificará dinheiro sujo. Os optantes não se livram de outras investigações, e quem for flagrado na mentira – declarando como lícitos recursos oriundos de crime – volta à estaca zero: restauração dos tributos e das penalidades no seu valor original, mais a perda de todos os favores penais.
Ao contrário, sem profundas alterações do projeto pelo Senado, o risco é de ninguém se entusiasmar. O Chile, onde as adesões a programa similar se contam nos dedos de uma mão, que o diga.