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André Mendes comenta déficit do Tesouro fluminense no Jornal O Globo


O sócio André Mendes Moreira foi um dos especialistas ouvidos pelo Jornal O Globo em reportagem sobre o déficit do Tesouro fluminense, confira:

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Dívida do Estado já passa de R$ 9 bilhões, mais de quatro vezes a folha mensal de salários

Montante é formado, principalmente, por pendências com fornecedores.

RIO – Um número dá o tom do drama enfrentado pela população que depende dos serviços do estado: R$ 9,3 bilhões. É esse o total da dívida do Rio, considerando-se valores de 2015 que ainda não foram quitados (os chamados restos a pagar) e que somam R$ 3,39 bilhões, além de R$ 5,9 bilhões de despesas deste ano, não quitadas até agosto.

Para se ter uma ideia, só de dívidas, o governo precisa pagar o equivalente a mais de quatro vezes a folha mensal de salários dos servidores do Executivo, que hoje é de R$ 2,05 bilhões — e que tem sido quitada com muitas dificuldades este ano. A quantia é quase o orçamento anual da área de segurança, de R$ 10 bilhões, que é hoje o que mais consome recursos estaduais. O levantamento foi feito pela Comissão de Orçamento da Alerj.

Olhando as dívidas somadas ao final de cada ano, é possível ter uma ideia de que algo progressivamente ia mal. Em 2011, quando o então governador Sérgio Cabral entrava em seu segundo mandato, os restos a pagar chegaram a R$ 2,6 bilhões. O ano seguinte terminou com R$ 2,9 bilhões; 2013, com R$ 4,6 bilhões; 2014, com R$ 3,5 bilhões; e 2015, com R$ 6,3 bilhões (ao longo deste ano, parte foi paga, daí o saldo de R$ 3,39 bilhões).

Todos os dados constam de relatórios de gestão anuais do Tribunal de Contas do Estado. Para especialistas, dificilmente o governo, com péssimas perspectivas de arrecadação (e um déficit calculado em R$ 16 bilhões para este ano), vai conseguir mudar essa situação a curto e a médio prazos.

— Essa é a confirmação de que o estado está quebrado — resume Gilberto Braga, economista e professor de finanças do Ibmec. — O estado normalmente não tem muito o que fazer quando chega a essa situação. O que pode ocorrer é o credor acionar o governo judicialmente. Essa dívida, se confirmada na Justiça, tenderá a ser paga como precatório no futuro. Mas muitos não fazem isso.

PENDÊNCIAS COM FORNECEDORES

A dívida do estado é formada, principalmente, por pendências com fornecedores. Por isso, a precarização de serviços tem sido um dos principais sintomas do agravamento da crise. O Fundo Estadual de Saúde, de onde sai o dinheiro para pagar às organizações sociais que administram Unidades de Pronto Atendimento (UPAs) e hospitais, foi o que fechou 2015 com o valor mais alto de restos a pagar: R$ 1,551 bilhão, quase de um quarto do total devido. Os dados foram tabulados pela Comissão de Tributação da Alerj.

A profundidade do rombo não aconteceu por acaso. Deu-se em um ano que terminou com emergências fechadas (por falta de remédios, insumos e equipamentos), pacientes em desespero e lixo nos corredores dos hospitais (devido à falta de pagamento a funcionários de empresas de limpeza). Se nos nove anos anteriores o fundo respondeu, em média, por cerca de 13% do total da dívida, em 2015 esse número chegou a cerca de 28%.

Em valores corrigidos pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), do IBGE, a dívida anual do fundo subiu de R$ 667,5 milhões, em 2007, para R$ 1,685 bilhão, no ano passado. A Secretaria estadual de Saúde confirma os números e admite que o débito “vem causando, principalmente, impactos nas licitações e aquisição de medicamentos”. No entanto, afirmou que “vem destinando todos os recursos disponíveis para a pasta à manutenção do funcionamento das unidades de saúde”.

Para o deputado Luiz Paulo Corrêa da Rocha (PSDB), presidente da Comissão de Tributação da Alerj, a situação financeira do estado ainda vai piorar. Segundo ele, a soma dos restos a pagar e das dívidas deste ano se encaminha para passar de R$ 10 bilhões.

— Esse rombo é a beira da falência e se reflete nos sucessivos atrasos de pagamento aos fornecedores. Se fixarmos uma análise dos últimos 15 anos, não vamos encontrar restos a pagar com a mesma envergadura. Se imaginarmos que a receita não vai chegar a R$ 60 bilhões este ano, vamos dever quase um sexto dela — analisa. — Eu prevejo um agravamento da situação no último trimestre.

Além das dívidas crescentes, o governo terá outras dificuldades sérias pela frente. Por causa da baixa arrecadação, o Rio corre o risco de descumprir a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), que prevê limites para os gastos de pessoal (até 60% da receita corrente líquida) e para o endividamento dos estados. Para driblá-las, segundo fontes do PMDB próximas ao governador em exercício Francisco Dornelles, o Executivo estaria preparando um projeto de lei, a ser apresentado somente após o período eleitoral, para que deputados reconheçam o estado de calamidade financeira já decretado em junho e publicado no Diário Oficial.

Feito isso, o estado se enquadraria num artigo da LRF que o eximiria de cumprir alguns limites, como os referentes ao teto de gastos de pessoal e endividamento. Fontes explicam que o aval dos parlamentares daria “um lastro jurídico”. Além de colocar o cargo do governador em risco, o estouro do teto de gastos implicaria, em caso de medida extrema, a demissão de servidores de carreira.
O governo estadual negou, por meio de sua assessoria, ter a pretensão de protocolar o projeto. No entanto, antes do recesso de agosto, segundo alguns deputados, Dornelles enviou um ofício, pedindo aos parlamentares que reconhecessem o decreto de calamidade pública já publicado.

REUNIÃO COM LEGISLATIVO E JUDICIÁRIO

No decreto de julho, o governo em exercício fez uma manobra para que o estado pudesse receber uma doação de R$ 2,9 bilhões da União. A medida foi essencial para garantir o funcionamento dos serviços durante a Olimpíada. Na última terça-feira, os chefes dos três poderes fizeram uma reunião na tentativa de adequar os repasses dos duodécimos do Legislativo e do Judiciário à receita real do estado, que hoje está na casa dos R$ 50 bilhões. Contudo, há forte resistência. O argumento do governo é que, devido à crise, o orçamento fixado no ano anterior corre o risco de estar com as receitas infladas, pois a crise vem corroendo a arrecadação.

Como O GLOBO revelou em julho, um relatório da Contadoria Geral da Secretaria estadual de Fazenda mostrou que os gastos do estado com pessoal até junho, no acumulado de 12 meses, somavam R$ 26,6 bilhões. O valor era equivalente a 58,45% da receita corrente líquida (total da arrecadação de impostos no período). O resultado deixou o Rio numa situação crítica, porque estava muito perto do limite da LRF para despesas com salários.

Leonardo Ribeiro Pessoa, professor de direito tributário do Ibmec, explica que, segundo o artigo 65 da LRF, “a ocorrência de calamidade pública reconhecida” pela assembleia legislativa de um estado livra o governo de cumprir regras referentes a gastos com pessoal e teto de dívidas. Um simples decreto não daria esse lastro ao Executivo:
— O estado já decretou calamidade, e foi um decreto questionável porque, na definição da legislação federal, a calamidade tem a ver com desastre. Juridicamente, é complicado. O Estado do Rio inovou, criando a figura da calamidade financeira.

PROTESTOS

A dívida compromete o funcionamento do estado. Apesar de a segurança vir sendo prioridade nos pagamentos mensais, a área sofre com a falta de recursos. Na sexta-feira, o contrato da empresa que fazia manutenção dos carros da PM terminou. Antes da Olimpíada, o governador em exercício Francisco Dornelles chegou a dizer que a corporação só teria combustível para abastecer seus carros por mais uma semana. Na Polícia Civil, continuam faltando peças para impressoras, e as delegacias estão com “cadeiras rasgadas e sem papel”, segundo o sindicato dos delegados.

Na educação, depois de cinco meses de greve, alunos só voltaram às aulas em agosto. No ano passado, um colapso na saúde atingiu vários hospitais e Unidades de Pronto Atendimento. Este ano, uma série de unidades já voltaram a apresentar problemas — a Defensoria Pública registrou falta de equipamentos e remédios nas UPAs de Bangu, Ricardo de Albuquerque e Marechal Hermes.
O Corpo de Bombeiros também tem sido afetado. O governo não repassa há 30 dias a verba à empresa responsável por exames laboratoriais no Hospital Central dos Bombeiros, no Rio Comprido. Com isso, eles estão restritos a pacientes internados e em situação de emergência

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André Mendes Moreira, advogado e diretor da Associação Brasileira de Direito Tributário, diz que desconhece precedentes sobre projetos de calamidade:

“Se o projeto de calamidade for aprovado pela Assembleia Legislativa, isso vai permitir que o estado afaste algumas restrições orçamentárias que são impostas pela Lei de Responsabilidade Fiscal. A legislação determina normas de observância obrigatória na administração das finanças municipais, estaduais e federais. Há limites, por exemplo, para despesas de pessoal. Há outros parâmetros para o endividamento do estado e a limitação de despesas. Se a receita estimada não se concretiza, tem que haver um cancelamento das despesas empenhadas. O descumprimento dessas regras pode causar a perda de mandato do governante, porque as penalidade são bem graves. Só que existe uma exceção no artigo 65, segundo o qual, caso a assembleia legislativa reconheça o estado de calamidade pública, essas restrições da LRF são todas afastadas. Enquanto perdurar o estado de calamidade, não vão se aplicar os limites para despesa de pessoal, para o endividamento do estado e para a chamada limitação de empenho. Se o decreto não for reconhecido pela assembleia, o estado está descumprindo a Lei de Responsabilidade Fiscal, e isso acarreta sanções. Para evitar as punições, esse reconhecimento precisa ser feito. A realidade financeira não vai ser mudada. O problema é evitar que haja uma penalização dos governantes. Eu desconheço precedentes de um projeto como esse por questões financeiras. Seria a primeira vez em um estado. É uma situação complicada. Em tese, o estado de calamidade poderia ser contestado na Justiça, sobre a possibilidade ou não de um desequilíbrio orçamentário ser fundamento para esse tipo de ato.”

Para Floriano Peixoto de Azevedo, advogado e professor da USP, é como um habeas corpus preventivo:

“O estado pode alegar uma insuficiência financeira e postergar pagamentos sem que isso atinja regras referentes aos restos a pagar previstas na Lei de Responsabilidade Fiscal. Não é possível ter restos a pagar sem que fique no caixa o valor suficiente para pagá-los num exercício orçamentário. O precedente que existe é o da calamidade não financeira. Se você tem uma calamidade pública, é porque não tinha uma previsão de gastos enormes. Por exemplo, para realocar famílias e comprar comida, tirar as pessoas da rua. Foi o caso de Mariana, por exemplo. A calamidade financeira é quase uma contradição em termos. Mas a calamidade não faz surgir dinheiro. E nem suspende a Constituição. Ela é uma medida de emergência. Você não resolve problemas estruturais. Usa apenas naquilo que seja imprescindível para contornar a situação de calamidade. Os artigos relativos a endividamento, por exemplo. Basicamente, o estado está buscando um salvo-conduto para não tipificação de infrações da LRF. A lei tem uma conotação muito mais ampla que um decreto. Ela faz uma liberação de uma obrigação que está em outra lei. Com essa proposta, o governo diz que não vai conseguir cumprir o orçamento, mas as autoridades não querem ficar sujeitas a uma responsabilização como o impeachment. Ela torna legítimo o descumprimento da lei orçamentária. É um “habeas corpus preventivo” para o governador. A expressão de calamidade foi cunhada para receber recursos da União antes da Olimpíada e agora está sendo aprofundada.”

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