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Misabel Derzi e André Mendes Moreira participam de reportagem sobre os 128 anos da Faculdade de Direito da UFMG

07 de dezembro de 2020

Misabel Dezi e André Mendes

Os professores e sócios do SCMD Misabel Derzi e André Mendes Moreira participaram de reportagem do Jornal Estado de Minas, sobre os 128 anos da Faculdade de Direito da UFMG, que serão completados na próxima quinta-feira, dia 10 de dezembro.

Em entrevista, Misabel Derzi contou parte da sua brilhante trajetória na instituição, onde é professora titular de direito financeiro e tributário.

Por sua vez, André Mendes Moreira comentou a ligação da Faculdade de Direito da UFMG com a política.

Contemporânea do Brasil República, Faculdade Direito da UFMG faz 128 anos

Celeiro de formação de profissionais, Vetusta Casa Afonso Pena foi a primeira instituição de ensino superior de Belo Horizonte.

Gustavo Werneck

Casa de ensino das leis, templo da memória de Minas, celeiro na formação de profissionais. A história do Brasil republicano tem na Praça Afonso Arinos, no Centro da capital, uma das suas principais referências jurídicas. Nesse espaço batizado com o nome do ilustre mineiro, está a Faculdade de Direito da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), a chamada Vetusta Casa de Afonso Pena, que completará 128 anos de fundação na próxima quinta-feira, sem comemorações, devido à pandemia do novo coronavírus. Neste mês em que o estado celebra 300 anos da organização administrativa e política do seu território, a partir da criação da Capitania de Minas em 2 de dezembro de 1720, vale destacar que a Faculdade de Direito representa um marco, pois é mais antiga do que Belo Horizonte, que fará 123 anos de inaugurada no sábado. Atualmente, à frente da instituição estão os professores Hermes Vilchez Guerrero (diretor) e Mônica Sette Lopes (vice-diretora).

A trajetória da instituição, responsável pela formação de milhares de profissionais, contando hoje com cerca de 3 mil alunos, começou em Ouro Preto, três anos depois da Proclamação da República, com o nome de Escola Livre de Direito. Entre os fundadores, jovens e idealistas advogados, como Afonso Augusto Moreira Pena, primeiro diretor e depois presidente do Brasil, Francisco Luiz da Veiga (vice-diretor), Afonso Arinos de Mello Franco, Antônio Augusto de Lima, Levindo Ferreira Lopes e Francisco Silviano de Almeida Brandão.

No ano seguinte à inauguração da capital, a faculdade se transferiu para BH – foi a primeira instituição de ensino superior da cidade – e permaneceu sempre na Região Central: primeiro na Rua Pernambuco com Cláudio Manuel, depois na Rua da Bahia com Bernardo Guimarães, até se instalar definitivamente na Praça Afonso Arinos, num prédio em estilo neoclássico. O imponente imóvel, no entanto, foi demolido em 1958 para, no lugar, surgirem os edifícios Villas-Boas, com entrada pela Álvares Cabral, onde funcionam o curso de pós-graduação e a administração da faculdade, e o edifício Valle-Ferreira, com entrada pela Avenida João Pinheiro, ocupado pela graduação. Em 1998, foi inaugurado o prédio da biblioteca.

Luz e sombras
Preocupada com a tradição do bom ensino e o conhecimento amplo, a faculdade, a quinta instituição no Brasil a ofertar cursos jurídicos, não perde o foco na modernidade dos tempos, na evolução da sociedade e nas conquistas dos cidadãos. E emociona ex-alunos que se tornaram professores. “Trabalho aqui há 56 anos, nunca me afastei. Depois da minha família, posso dizer que a Faculdade de Direito é meu segundo lar”, diz a professora titular de direito tributário e direito financeiro, a advogada e ex-procuradora geral do estado Misael Abreu Machado Derzi. “Enfrentamos, nas décadas posteriores ao golpe militar de 1964, momentos de luz e sombra. Sombras com a perseguição a alunos e professores durante a ditadura (1964-1985), e de luz por ser uma faculdade sempre pulsante, umas melhores do país, com reconhecimento internacional”, afirma.

Para homenagear um estudante morto durante os chamados “anos de chumbo”, a faculdade mantém o espaço interno de convivência dos alunos, o Território Livre José Carlos da Matta Machado. E a escola tem o Centro Acadêmico Afonso Pena (Caap), mais antiga entidade estudantil de Minas, fundada em 1908, e o Centro Acadêmico de Ciências do Estado (Cace), de 2010.

Nessa história mais do que centenária, o patrimônio humano formado por servidores, professores e alunos e ex-alunos merece respeito e zelo, incluindo-se Maria de Lourdes Prata, aluna pioneira do curso de direito, na década de 1920, o ex-presidente Tancredo Neves, o compositor Fernando Brant, o ex-presidente Pedro Aleixo, os governadores Mello Viana, Francisco Salles, Milton Campos, Bias Fortes, Rondon Pacheco e Ozanan Coelho e os ex-presidentes do Supremo Tribunal Federal (STF) Orozimbo Nonato Antônio Gonçalves de Oliveira, Sepúlveda Pertence, Carlos Mário Veloso e Maurício Corrêa.

Para quem está na ativa, e em reverência à memória dos que morreram, paira a palavra vetusta, como a faculdade é carinhosamente chamada pela comunidade acadêmica, e que significa “antiga” e também “venerável e respeitosa”.

Direito e Política
Em pesquisa sobre a instituição, o professor adjunto de direito tributário da UFMG, advogado tributarista André Mendes Moreira, informa que “há uma ligação atávica entre o direito e a política, e não por acaso, dos 25 fundadores da Faculdade Livre de Direito de Minas Gerais, quase todos tinham ocupado ou ocupariam cargos de relevo na República, de deputados à presidência”.

Com a palavra, o professor André Moreira: “À época da fundação da Faculdade Livre de Direito, Minas Gerais era governado por Afonso Pena (1847-1909), que foi eleito também seu primeiro diretor. Em 1894, ele foi indicado pelo então presidente da República, Prudente de Morais, para o posto de ministro do STF, mas declinou do convite. Uma das razões invocadas para tanto foi a necessidade de consolidar a nova faculdade na então capital mineira, Ouro Preto”.

Quando de sua criação, a Faculdade Livre de Direito sobrevivia de parcos aportes públicos e de benfeitores. Em 1927, a união das faculdades mineiras de direito, medicina, odontologia, farmácia e engenharia criou a Universidade de Minas Gerais. “Em 1949, após intensas discussões, a instituição foi federalizada, passando a contar com ensino público e gratuito custeado pela União, o que gerou, em 1965, a mudança de sua nomenclatura para Universidade Federal de Minas Gerais”. Em 2008, a Faculdade de Direito passou a ofertar o curso de bacharelado em Ciências do Estado sendo hoje designada Faculdade de Direito e Ciências do Estado da UFMG.

Em 2020, a Times Higher Education (revista inglesa especializada em educação superior) considerou a UFMG como a terceira melhor universidade brasileira e a quinta melhor da América Latina.

O diretor da instituição, Hermes Vilchez Guerrero lembra que a criação da escola era uma necessidade do regime republicano. “Seu surgimento só foi possível porque estavam à frente do empreendimento grandes homens públicos, como Afonso Pena, Afonso Arinos, Augusto de Lima, Davi Campista, João Pinheiro ”. E ressalta que “pessoas das mais simples às mais abastadas” faziam doações.

A tradição das doações se mantém. Foi com ajuda de ex-alunos que o prédio foi integralmente revitalizado, mesmo diante do contingenciamento de verbas das universidades. “É emocionante ver a satisfação com que contribuem e até nos agradecem por permitir, segundo afirmam, ‘devolver um pouco daquilo que receberam da faculdade’”, comenta o diretor.

Ensino do Direito
» 1892: Em 10 de dezembro, é fundada em Ouro Preto a Escola Livre de Direito, atual Faculdade de Direito da UFMG.
» 1898: Faculdade é transferida para Belo Horizonte e se mantém sempre na Região Central da cidade. Trata-se da primeira instituição de ensino superior de BH.
» 1901: Faculdade se instala definitivamente na Praça da República, hoje Praça Afonso Arinos.
» 1908: Em 16 de agosto, é fundado o Centro Acadêmico Afonso Pena (Caap), mais antiga entidade estudantil de Minas.
» 1927: Faculdade de Direito junto com os cursos de medicina Odontologia farmácia Engenharia a Universidade de Minas Gerais.
» 1949: Universidade de Minas Gerais é federalizada passando os cursos gratuitos custeados pela união.
» 1958: Prédio antigo é derrubado, e construído no lugar o edifício Villas-Boas, onde funcionam o curso de pós-graduação e a administração da faculdade.
» 1960: De 1964 a 1980, durante a ditadura militar, alunos lutam pelas liberdades civis, eleições diretas e redemocratização.
» 1990: Construído o edifício Valle-Ferreira, com entrada pela João Pinheiro, para o curso de graduação. Em 1998, é inaugurado o edifício-sede da biblioteca.
» 1965: a Universidade de Minas Gerais se torna Universidade Federal de Minas Gerais UFMG.
» 2008: Faculdade de Direito passa a oferecer também o curso de Ciências do Estado.

Quatro perguntas para Misabel Abreu Machado Derzi, professora titular de direito financeiro e tributário e advogada tributarista.

Grande parte da vida da senhora está ligada à Faculdade de Direito da UFMG. A senhora pode contar um pouco dessa história?

Tenho 56 anos dentro da instituição. Ao ingressar na faculdade por meio do vestibular de 1965, dela jamais me afastei, como aluna ou docente. Essa trajetória, que envolve três gerações, cumula uma experiência da qual muito me orgulho. Mesmo tendo iniciado os estudos após o golpe de 1964, ainda encontrei ali ambiente efervescente de reflexões, críticas, liberdade para pensar e discordar. Os alunos se manifestavam em greves, passeatas e movimentos de protestos políticos. Se detidos pela polícia, eram pouco depois libertados. Fui aluna do professor Edgar da Matta Machado e seu filho, José Carlos, frequentava as aulas e atuava bravamente no Centro Acadêmico Afonso Pena.

Como era a situação?

Aos poucos, atos de aposentadoria compulsória de vários docentes, alguns alunos afastados e presos, fechamento de nossos institutos de pesquisa, paralisação de nossa revista tradicional, direcionamento dos recursos públicos para a área das ciências exatas, consideradas produtivas em detrimento dos perigosos direitos humanos e sociais, amordaçamento de nossas vozes internas e externas, tudo acobertado pelo Ato Institucional nº 5/1968, inseriram-me em ambiente de sombrio silêncio. Não o silêncio respeitoso dos cemitérios ou dos templos de oração, mas aquele vigiado e opressivo dos corredores dos presídios. Nas salas de aula, sabíamos, havia olheiros e ouvintes, transferidos compulsória e independentemente de vagas, para tudo relatar ou delatar.

Qual foi o percurso para chegar ao corpo docente?

Ao término do bacharelado, logo prestei concurso para ingresso no doutorado e, em seguida, iniciei meus concursos na carreira docente dentro de nossa faculdade. Àquela época, como agora, e muito antes da Constituição de 1988, a Casa de Afonso Pena primava pela exigência de concursos públicos de provas e títulos no ingresso e na ascensão na carreira docente. A princípio, prestei três concursos: para os cargos de Orientadora Forense, depois Professora Auxiliar de Ensino e, por fim, Professora Assistente. Com a obtenção do título de doutora, ascendi ao cargo de Professora Adjunta. Finalmente, fiz o último concurso público para titular de Direito Tributário e Financeiro, em 2008. Tenho orgulho de ter cumprido esse longo percurso, de ter insistido, pois ele me permitiu assistir, de dentro, à reversão, à transformação de nossa faculdade. Com a redemocratização, abriram-se os cárceres em que se tinha tentado, em vão, aprisionar o pensamento e sua expressão, recompôs-se o Estado de Direito antes eviscerado. A democracia pluralista, a liberdade de cátedra e a autonomia universitária, a pesquisa e o ensino floresceram novamente. Nossa amada escola a tudo resistiu.

A senhora é a decana da Faculdade de Direito, instituição historicamente com prevalência masculina (são listados 25 fundadores, todos homens) e ocupou vários postos de trabalho. O que significa ser uma mulher no exercício de cada um desses cargos?

A meritocracia me salvou, como salvou alunos e professores que, não tendo influência econômica ou política a exercer ou, ainda, sem poder usar de relações pessoais e familiares, tiveram “chance” ou sorte em concursos públicos. Se Michael Sandel (professor de Filosofia de Harvard) alerta para a tirania da meritocracia, para a falácia dos frutos da inteligência, da competência e de outros talentos atribuíveis à loteria genética ou aos arranjos construídos em oportunidades escusas ou político-familiares, em acasos e contingências da sorte, tenho a contrapor que ingressei na faculdade por vestibular e, no corpo docente, por meio de concursos públicos de provas e títulos, várias vezes repetidos. Nos anos 1970, havia apenas mais duas professoras, que tiveram a mesma “sorte”: Elza Maria Miranda Afonso e Gema Galgani Guerra. Também no alunado, a maioria ainda era masculina, pois somente os departamentos de profissões tradicionalmente femininas, como Letras e Educação, tinham composição equilibrada, em contraste com faculdades como a de direito e de engenharia, de tradição masculina, especialmente essa última.

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