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Site da Bovespa repercute opinião de Igor Mauler Santiago
16 de novembro de 2007
Em matéria sobre a distribuição de resultados a acionistas, o Espaço Jurídico do site da Bovespa repercute opinião de Igor Mauler Santiago quanto ao dever do administrador de zelar pela empresa e discutir tributos.
Medidas podem garantir ou impedir distribuição de resultados a acionistas
Mesmo com todos os cuidados para a elaboração de estatutos e a disposição sobre como será repartido parte do lucro aos sócios, as empresas de capital aberto passam por um novo teste. Em razão de discussões a respeito de tributos com a Receita Federal ou o INSS, há pedidos na Justiça para que os valores destinados aos acionistas fiquem bloqueados para garantir as dívidas
Por Andréa Háfez *
Entre os atrativos do investimento em empresas de capital aberto está a distribuição de dividendos. Ao comprar ações dessas companhias, os investidores têm a garantia de que, mesmo que os papéis não se valorizem muito no mercado, receberão uma parcela do lucro da empresa todo ano, desde que o seu resultado seja positivo.
Como essa política de distribuição de dividendos é importante para a tomada de decisão dos investidores, as empresas têm procurado esclarecer ao máximo o quanto e como será feita a operação. Apesar do amadurecimento na elaboração dos dispositivos referentes a esse tema nos estatutos das companhias, a insegurança surge em outra frente. Dessa vez, quem pode colocar em risco a distribuição de dividendos aos acionistas é a Fazenda Nacional.
Por conta de um dispositivo (artigo 17 da Lei nº 11.051/04), as Procuradorias da Fazenda Nacional e do INSS têm entrado com pedidos junto ao Judiciário para que os valores, que seriam distribuídos pelas empresas, fiquem bloqueados até que quitem as suas dívidas com o Fisco. Isso porque haveria a compreensão de que as companhias estariam em situação tributária irregular, o que as impediria de dispor de parte de seus resultados aos acionistas. Primeiro é preciso que os débitos com a Receita e o INSS estejam pagos, ou garantidos, para que depois a companhia realize a distribuição de dividendos.
No entanto, os entendimentos são diversos. Para alguns operadores de Direito que atuam nessa área fiscal e de mercado de capitais, a adoção desse tipo de medida não faz sentido, principalmente em situações que envolvam empresas que já garantiram os débitos tributários em discussão, e que têm patrimônio suficiente para cobrir a dívida com o Fisco. Um perfil que inclui, normalmente, as companhias de capital aberto listadas na Bolsa de Valores.
A distribuição de dividendos antes de entrar na mira do Fisco, já foi motivo de muito conflito entre acionistas minoritários e majoritários. De acordo com o advogado Márcio Tadeu Guimarães Nunes, sócio do escritório Veirano Advogados, até a reforma da Lei das Sociedades Anônimas, em 2001, as discussões eram mais freqüentes ainda. Muitas vezes o acionista controlador decidia por reter os lucros e não realizar a distribuição como o previsto. “Com a nova legislação, ficou mais evidente a necessidade da disposição da retenção em um plano de investimentos, que tem que ser aprovado em assembléia geral. A retenção virou exceção”, explica. “Não se trata de uma decisão a ser tomada discricionariamente pelos controladores, pois isso violaria o direito dos minoritários”.
Nesse processo de tentar garantir ao máximo o direito dos minoritários aos dividendos, previstos e regulamentados nos estatutos sociais, já há decisões judiciais, segundo Guimarães, no sentido de que na falta de clareza sobre as regras para a distribuição, a interpretação dos dispositivos deve ser sempre mais favorável ao minoritário.
Essa proteção é fundamental para viabilizar o desenvolvimento do mercado. Afinal, os investidores _ normalmente acionistas minoritários _ escolhem as suas aplicações nos papéis de determinadas empresas, também em razão da política de distribuição de dividendos ofertada por elas. Se as disputas internas _ conflitos entre majoritários e minoritários _ nas companhias tentam evitar a interferência nesse ponto, a intervenção externa, como no caso do Fisco por meio de medida judicial, pode ser prejudicial, não só à empresa envolvida diretamente, mas ao mercado como um todo.
Os dividendos a serem distribuídos aos acionistas, esclarece o advogado Joaquim de Paiva Muniz, sócio do escritório Trench, Rossi e Watanabe, são valores que não pertencem mais à empresa. O fato de estarem na conta da companhia não significa que pertencem a ela. “Os lucros são apurados até o final de dezembro, com a realização das demonstrações financeiras. Esses valores, e os números destinados à distribuição de dividendos, são aprovados pela assembléia geral até o final de abril do ano seguinte, para que a operação se efetive, normalmente, até o fim do semestre”, afirma. Os resultados que serão recebidos pelos acionistas são referentes a períodos passados.
Um bloqueio dos dividendos, para garantir débitos em discussão com o Fisco, significa a penhora de bens que não pertencem mais à empresa, mas ao minoritário. “Pode haver uma confusão temporal: no bloqueio de dividendos, há a tomada de valores que não fazem parte do atual fluxo de caixa da empresa, como o faturamento, mas sim de valores contabilizados, relativos a um lucro passado, que já não é mais da companhia, pois faz parte do que era previsto para ser distribuído”, diz Paiva Muniz.
A conseqüência de eventuais bloqueios na distribuição de dividendos, segundo o advogado, pode afetar muito ao mercado. O pequeno poupador aposentado, ou o investidor individual, ou mesmo os fundos de previdência de funcionários, inclusive de empresas estatais, que são minoritários, deixariam de receber seus dividendos por conta de decisões tomadas pela administração da empresa de discutir cálculos ou a cobrança de tributos na Justiça. O que não quer dizer que a administração da empresa esteja errada. São medidas que devem ser analisadas. “O que não deveria acontecer é um bloqueio dos dividendos em meio à execução fiscal”.
A eventual tentativa de bloquear a distribuição de dividendos também exigiria que a companhia não tivesse apresentado nenhuma garantia. “O que não é a situação que temos observado. Normalmente, a empresa já apresentou uma garantia, mas não em dinheiro, e sim por meio de fianças bancárias ou bens”, diz David Roberto Ressia e Soares da Silva, do escritório Azevedo Sette Advogados. “Se a garantia não é dinheiro, ela não entra no caixa do governo. Se for como depósito bancário, torna-se disponível ao orçamento e pode colaborar para que as contas públicas fechem em superávit”, afirma.
Para Soares da Silva, o Judiciário ficaria diante da questão: o que é melhor para o bem público: a disponibilidade imediata de recursos nos cofres públicos, que a curto prazo pode fechar com resultados melhores; ou garantir o pagamento de dividendos aos acionistas das empresas, que a longo prazo, com a atração de investimentos, pode propiciar mais crescimento econômico? “O Judiciário é fundamental para dar a sinalização de segurança jurídica ao investidor que pretende aplicar no país”.
Uma agravante, no que se refere à tentativa de bloqueio de dividendos, é a medida estar diretamente relacionada à transparência exigida e praticada pelas companhias de capital aberto. Em razão da necessidade de prestar contas a seus acionistas (cada vez em número maior e mais diversificado), e para garantir o direito à informação, exigido pelas normas da boa gestão, essas companhias publicam todas as atas de suas assembléias. Ou seja, os valores que serão distribuídos a título de dividendos são divulgados e abertos a qualquer pessoa. As empresas que não fazem esse tipo de publicação também têm discussões sobre débitos tributários, mas o Fisco não tem acesso às suas informações financeiras com tanta facilidade. Ou seja, é uma punição à transparência e às boas práticas de administração.
De acordo com Márcio Tadeu Guimarães Nunes, do escritório Veirano Advogados, o uso do dispositivo legal, que daria base para que o Fisco tentasse bloquear dividendos até que a empresa quitasse os débitos tributários, tem sido interpretado pelo Judiciário, em outras situações, como uma sanção política indevida. “A maior parte da jurisprudência está relacionada a concessão de outros direitos e não à distribuição de dividendos, mas a interpretação pode ser estendida”.
Para David Roberto Ressia e Soares da Silva, do escritório Azevedo Sette Advogados, a tentativa de barrar a distribuição de dividendos significa uma sanção política indevida, uma forma de coagir o contribuinte. “O Fisco já possui ferramentas suficientes para buscar o pagamento de tributos não-pagos. A tentativa de bloquear a distribuição dos dividendos seria uma forma oblíqua e inadequada de forçar o contribuinte a acertar débitos que, na verdade, ainda não são certos”.
Definição da dívida é feita pelo próprio credor
Muitos dos casos de pedido de bloqueio de distribuição de dividendos envolvem empresas que não têm dificuldades financeiras, muito pelo contrário, seus patrimônios podem cobrir, tranqüilamente, as dívidas, caso sejam efetivamente constituídas ao final das discussões judiciais contra o Fisco.
As contestações de valores e questionamentos sobre os tributos a serem pagos são necessárias, até para que a administração da empresa não seja responsabilizada, futuramente, por realizar uma gestão que tenha causado prejuízos à companhia. “É dever do administrador zelar pela empresa. Se ele se negar a discutir tributos, ou os seus cálculos, quando deveria, futuramente, poderá ser responsabilizado pelos próprios acionistas”, afirma o advogado Igor Mauler Santiago, do escritório Sacha Calmon – Misabel Derzi Consultores e Advogados.
O que se observa, segundo ele, é que as situações que têm sido abordadas pelas Procuradorias da Fazenda ou do INSS não se tratam de sonegação. “São execuções fiscais que estão em discussão e em que não há uma dívida definitivamente constituída”. Para o advogado, é preciso lembrar que a execução fiscal tem um perfil especial: trata-se de uma circunstância em que a dívida é apurada pelo próprio credor. A própria Receita Federal é que vai ao contribuinte, fiscaliza seus números e define se os cálculos estão corretos ou não, lavra o auto de infração, e se houver uma contestação administrativa, o processo será julgado pelo próprio credor. “Não há um título, um documento, com o valor devido, como ocorre em outras execuções referentes a dívidas não-tributárias”, afirma o advogado.
“Nos embargos à execução fiscal, a discussão no Judiciário sobre a existência efetiva de uma dívida tributária é o primeiro momento em que a empresa/contribuinte pode se defender. Os juízes não devem impedir que isso ocorra, com a imposição do bloqueio da distribuição de dividendos”, diz Santiago. Esse tipo de resposta do Judiciário pode limitar o exercício do direito de defesa, pois a dívida só estará constituída, segundo ele, depois do transito em julgado do processo judicial, no qual estiver sendo discutida. (A.H.)