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Artigo de Professor Sacha Calmon é publicado no Consultor Jurídico


O site Conjur – Consultor Jurídico publica artigo de Professor Sacha Calmon, intitulado “Contribuição sobre energia elétrica está fora da CF”.
 
 
 
 
 
Contribuição sobre energia elétrica está fora da CF
Por Sacha Calmon
 
Caro ministro Ricardo Lewandowski, a quem admiro e estimo. Vezes sem conta o Supremo Tribunal Federal rejeitou as taxas municipais de iluminação pública, considerando-as, com razão, inconstitucionais. Nelas, o fato gerador é uma atuação do poder público, específica e divisível, capaz de ser medida relativamente à pessoa do contribuinte, como a coleta de lixo hospitalar. A finalidade da taxa é ressarcir o custo financeiro arcado para atender necessidades individuais. As chamadas taxas de polícia calham à fiveleta para ilustrar o caso. Quando obtemos um alvará de construção, um habite-se, um passaporte, pagamos um quantum pelo serviço que nos foi prestado, e a ninguém mais.
 
Há um nexo de pertinência entre a União, estados e municípios e a pessoa do contribuinte. Ora, no caso das taxas de iluminação pública todos os munícipes, bem como os visitantes, fruíam as luzes nos logradouros públicos e ninguém especificamente podia ser identificado como contribuinte. Feria-se também o artigo 145, parágrafo 2º, da Constituição Federal: “As taxas não poderão ter base de cálculo própria de impostos”. Sim, porque, nos impostos, o fato gerador é sempre um ter ou fazer do contribuinte (capacidade contributiva), e a base de cálculo mede este ter ou fazer. Exemplos: o valor do imóvel no IPTU ou do carro, no IPVA, a renda que se ganha, a que se gasta (impostos sobre o consumo). Julgou-se a taxa constitucional, sob a forma de “contribuição”, e não de imposto municipal para a manutenção da rede de iluminação pública. Desviou-se Vossa Excelência dessa conclusão por causa do artigo 164, inciso IV, da Constituição, que proíbe a afetação da receita de impostos a órgão, fundo ou programa, salvo as exceções que o próprio artigo enumera.
 
Pois bem, o novel imposto municipal, com destinação afetada da receita, seria apenas mais uma exceção a acrescer às já muitas existentes no artigo 164, inciso IV. A decisão do STF frustou a melhor doutrina justributária do país e abriu a possibilidade, agora ilimitada, de criação de impostos afetados, com o nomen juris de contribuições especiais. A esperança da sociedade teve acolhida no voto do ministro Marco Aurélio Mello, o mesmo que votou, solitário, contra a criação perigosa, por muitas e variegadas razões, de um Estado indígena dentro do Brasil, chamado Raposa Serra do Sol — existem mais 84 projetos de reserva em andamento. A esperança estava em dizer-se que a regra proibitiva de base de cálculo de imposto às taxas era imperiosa, estendendo-se obviamente às contribuições, porque ambas têm por fatos geradores atuações do poder público e não a fatos próprios dos contribuintes. Com efeito, a base de cálculo desse imposto com nome de contribuição é o valor do consumo de energia elétrica. O fato gerador é consumir energia elétrica. A contribuição do artigo 149 da carta é que não é, porque aí o governo federal (só ele é competente para instituí-las) teria que atuar de alguma forma, pois esse artigo reza que as contribuições existem para custear a intervenção da União na seguridade, nas profissões regulamentadas e no domínio econômico. O STF, sob a vossa relatoria, aduziu que os municípios se tornaram competentes para instituí-la em função da própria emenda. Em suma, impostos afetados podem ser criados com o nome de contribuição, mesmo que tenham face de imposto. Mas não já vimos que, nas contribuições, o fato gerador necessariamente é uma atuação do poder público? No caso, o municipal nada faz. Apenas cobra sobre o consumo alheio. A contribuição da energia elétrica não financia nenhuma atuação municipal.
 
Esta carta aberta não quer ensinar. Na Europa, a crítica à jurisprudência, especialmente na Alemanha, é tarefa nobre e indispensável ao envolvimento da sociedade nas decisões das cortes constitucionais. A doutrina das universidades não oporia reparos à decisão, se ela reconhecesse que um novo imposto municipal fora criado, mediante emenda constitucional. Vossa Excelência nos encheu de júbilo quando disse, com exatidão: “A Cosip se assemelha aos impostos, no entanto, ela não se identifica com essa espécie tributária, em razão do que dispõe o artigo 164, inciso IV, da CF, que veda vinculação da receita de impostos”. Mas não já existem exceções? Mais uma, via emenda, seria inaceitável? Preocupa o fecho do julgado: “A meu ver, a Cosip constitui um novo tipo de contribuição que refoge aos padrões estabelecidos na CF”. Ora, se refoge aos padrões estabelecidos da CF, é inconstitucional. Noutras palavras, o artigo 149 A — acrescido à carta, via emenda — criou uma contribuição sem atuação estatal. Simplesmente contornou as decisões anteriores do STF, que diziam serem as taxas de iluminação pública verdadeiros impostos. Pois bem, foi exatamente isso que o Congresso fez. Simples assim. Sem embargo, curvo-me à autoridade do STF, a mais excelsa de nossas instituições.
 
Sacha Calmon é advogado tributarista, professor titular de Direito Financeiro e Tributário da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e sócio do escritório Sacha Calmon – Misabel Derzi Consultores e Advogados.
 

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