Publicações

Notícias

Artigo de Prof. Sacha Calmon em evidência no site O Globo Online

25 de março de 2008
Artigo de Professor Sacha Calmon Navarro Coêlho, intitulado “Reforma tributária: uma proposta enganosa”, que trata da reforma tributária proposta pelo governo, foi publicado na página “Opinião” do site do jornal O Globo – O Globo Online, em sua edição de hoje.

 

 

 

Reforma tributária: uma proposta enganosa

Por Sacha Calmon

 

A reforma tributária enviada ao Congresso é enganosa, mais uma das nossas propostas "para inglês ver". O que se vislumbra, de imediato, é um aumento de arrecadação para a União e os estados. A proposta de desoneração da folha de salários é tímida e progressiva. No ICMS e no IPI, também será progressiva. E a desoneração de investimentos só se dará no IVA federal, que antes inexistia.

************************************************************

"As novas alíquotas do IR/física estão escondidas. Muitos serão atingidos, uns de classe média, outros da classe mais abonada. Ninguém os defenderá. Aqui a reforma não será neutra"

************************************************************

 

É fundamental saber se a reforma é neutra, se o que se perde aqui vai reaparecer onde? Assim, a contribuição social sobre o lucro acrescerá o IR/empresa, mas as novas alíquotas do IR/física estão escondidas. Serão fixadas por lei ordinária, fácil de votar. Possivelmente, uma alíquota intermediária entre 15% e 27,5%, talvez 21% e outra de 30% emergirão. Muitos serão atingidos, uns de classe média, outros da classe mais abonada. Ninguém os defenderá. Aqui a reforma não será neutra.

 

A Cofins, o PIS, o salário-educação, a Cide-Combustíveis, e a redução progressiva da contribuição sobre a folha ressurgem na medida certa na alíquota do IVA federal não cumulativo e que deve ser igual à somatória das contribuições ora existentes e extintas. Ninguém comenta que o IPI, o ISS, o ICMS e o IVA-F continuam a coexistir e que são impostos incidentes sobre a renda gasta pelos consumidores de bens e serviços. Embora incidam durante o processo produção/circulação/consumo sobre as contas correntes fiscais das empresas, essas repassam o ônus para a coletividade.

 

Aparentemente, extinguir quatro contribuições seria um avanço. É, mas a carga vai aumentar por conta do IVA federal de base ampla. Os governadores foram cooptados porque o IR, o IPI e o IVA terão suas arrecadações repartidas entre estados e municípios. Além disso, o novo ICMS surgirá aos poucos. Até 2016, teremos guerra fiscal e seus efeitos poderão, no futuro, ser mudados por aqueles que estiverem no poder. O aqui e o agora é que importa.

************************************************************

"No fundo, está havendo, além da alíquota nominal, outra real que se quer esconder. Aumenta-se a carga sem expressamente assumi-la"

************************************************************

 

Vejam aqui e agora quatro pérolas negras, bem escondidas em suas conchas: a Justiça do Trabalho – havia contestação – executará de ofício, com penhora online, as contribuições previdenciárias, cuja natureza é tributária e não trabalhista (art. 114, VIII do projeto). Adiciona-se à União mais um imposto, o IVA sobre operações com bens e prestação de serviços, ainda quando se iniciem no exterior (art. 153, VIII do Projeto). No inciso V, se diz que o IVA integrará a sua própria base de cálculo. Significa que na sua conta de luz de R$ 100, se o IVA federal for de 11% (porque é cobrado por dentro, ou seja, já está incluído no preço pelo prestador), nova incidência de 11% ocorrerá. É de se perguntar: por que não cobrá-lo por fora, como no IPI, com transparência?

 

No IPI é assim: preço R$ 100, IPI R$ 10. Preço total R$ 110, a ser pago pelo consumidor final. O IVA já está dentro do preço. Incide duplamente, por dentro para o agente econômico e por fora para o consumidor. Quanta má-fé. Que papelão! O ICMS segue a mesma receita sem o mínimo pudor. No artigo 115-A, §6º, está dito no inciso II que lei complementar definirá sua base de cálculo de modo que o próprio imposto a integre.

 

No fundo, está havendo, além da alíquota nominal, outra real que se quer esconder. Aumenta-se a carga sem expressamente assumi-la. Em suma, nas contas de luz, telefone, combustíveis, transportes não municipais etc teremos doravante além do ICMS, o IVA. Se quiserem ser cuidadosos verifiquem o antes e o depois. O §7º desse mesmo artigo dispõe que, relativamente à base de cálculo do IVA federal, considera-se prestação de serviços toda e qualquer operação que não constitua circulação ou transmissão de bens. Ora, como ele incide sobre bens e serviços, incidirá sobre tudo: bancos, construção civil, seguradoras e, principalmente, prestadores de serviços e profissionais liberais, que quase não têm crédito a abater do débito do IVA.

************************************************************

"Desta vez, a Receita, que em suas tentativas dos últimos anos sempre falhou, finalmente nos acertou"

************************************************************

 

Desta vez, a Receita, que em suas tentativas dos últimos anos sempre falhou, finalmente nos acertou. A ressalva livra apenas o ITBI e o ITCD sobre transmissão de imóveis. O resto está sujeito ao ICMS/IVA federal e ao ISS. Para avançar sobre o setor de serviços, inclusive hotelaria e turismo (o ICMS só pega transportes, energia e telefonia), foi preciso torturar o Código Civil e o Direito das Obrigações. A emenda constitucional criou um conceito abrangente e atécnico de prestação de serviços, em "bis in idem" com o ISS municipal, ampliando a base de incidência do IVA sobre todas as atividades da economia brasileira.

 

O Congresso Nacional tem o dever de impedir um aumento exagerado da carga tributária, restringindo a base de cálculo do IVA à circulação de mercadorias e serviços como no ICMS. O dispositivo constitucional que veda aumento (formal) da carga tributária é impossível de ser atendido. O governo precisa abrir os números. Como saber se o aumento é vegetativo ou não?

 

Sacha Calmon é advogado tributarista e professor titular de Direito Tributário da UFRJ

 

Compartilhar

MG