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Conjur publica artigo de Igor Mauler Santiago acerca da MP 507

20 de outubro de 2010
A Revista Eletrônica Consultor Jurídico publica artigo de Igor Mauler Santiago sobre a polêmica MP-507.
 
 

 

 
Inconstitucionalidade formal
 
MP 507 é inconstitucional quando exige procuração
 
 
O sigilo fiscal é protegido pelo Código Tributário Nacional (CTN) na forma abaixo:
 
Art. 198. Sem prejuízo do disposto na legislação criminal, é vedada a divulgação, por parte da Fazenda Pública ou de seus servidores, de informação obtida em razão do ofício sobre a situação econômica ou financeira do sujeito passivo ou de terceiros e sobre a natureza e o estado de seus negócios ou atividades.
§ 1º. Excetuam-se do disposto neste artigo, além dos casos previstos no art. 199, os seguintes:
I – requisição de autoridade judiciária no interesse da justiça;
II – solicitações de autoridade administrativa no interesse da Administração Pública, desde que seja comprovada a instauração regular de processo administrativo, no órgão ou na entidade respectiva, com o objetivo de investigar o sujeito passivo a que se refere a informação, por prática de infração administrativa.
§ 2º. O intercâmbio de informação sigilosa, no âmbito da Administração Pública, será realizado mediante processo regularmente instaurado, e a entrega será feita pessoalmente à autoridade solicitante, mediante recibo, que formalize a transferência e assegure a preservação do sigilo.
§ 3º. Não é vedada a divulgação de informações relativas a:
I – representações fiscais para fins penais;
II – inscrições na Dívida Ativa da Fazenda Pública;
III – parcelamento ou moratória.
Art. 199. A Fazenda Pública da União e as dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios prestar-se-ão mutuamente assistência para a fiscalização dos tributos respectivos e permuta de informações, na forma estabelecida, em caráter geral ou específico, por lei ou convênio.
Parágrafo único. A Fazenda Pública da União, na forma estabelecida em tratados, acordos ou convênios, poderá permutar informações com Estados estrangeiros no interesse da arrecadação e da fiscalização de tributos.
Sobre o tema, dispõe o Código Penal:
Violação de sigilo funcional
Art. 325 – Revelar fato de que tem ciência em razão do cargo e que deva permanecer em segredo, ou facilitar-lhe a revelação:
Pena – detenção, de seis meses a dois anos, ou multa, se o fato não constitui crime mais grave.
§ 1º. Nas mesmas penas deste artigo incorre quem:
I – permite ou facilita, mediante atribuição, fornecimento e empréstimo de senha ou qualquer outra forma, o acesso de pessoas não autorizadas a sistemas de informações ou banco de dados da Administração Pública;
II – se utiliza, indevidamente, do acesso restrito.
§ 2º. Se da ação ou omissão resulta dano à Administração Pública ou a outrem:
Pena – reclusão, de 2 (dois) a 6 (seis) anos, e multa.
(…)
Funcionário público
Art. 327 – Considera-se funcionário público, para os efeitos penais, quem, embora transitoriamente ou sem remuneração, exerce cargo, emprego ou função pública.
§ 1º. Equipara-se a funcionário público quem exerce cargo, emprego ou função em entidade paraestatal, e quem trabalha para empresa prestadora de serviço contratada ou conveniada para a execução de atividade típica da Administração Pública.
§ 2º. A pena será aumentada da terça parte quando os autores dos crimes previstos neste Capítulo forem ocupantes de cargos em comissão ou de função de direção ou assessoramento de órgão da administração direta, sociedade de economia mista, empresa pública ou fundação instituída pelo poder público.”
O servidor público federal que comete crime contra a Administração Pública incorre ainda nas sanções administrativas de demissão, cassação de aposentadoria ou disponibilidade (caso já inativo) ou destituição de cargo em comissão (caso não efetivo), cumuladas com a impossibilidade de retornar ao serviço público federal, tudo na forma da Lei 8.112/90:
Art. 132. A demissão será aplicada nos seguintes casos:
I – crime contra a administração pública;
(…)
IX – revelação de segredo do qual se apropriou em razão do cargo;
(…)
Art. 134. Será cassada a aposentadoria ou a disponibilidade do inativo que houver praticado, na atividade, falta punível com a demissão.
Art. 135. A destituição de cargo em comissão exercido por não ocupante de cargo efetivo será aplicada nos casos de infração sujeita às penalidades de suspensão e de demissão.
(…)
Art. 137, Parágrafo único. Não poderá retornar ao serviço público federal o servidor que for demitido ou destituído do cargo em comissão por infringência do art. 132, incisos I, IV, VIII, X e XI.
Em razão de recentes eventos de repercussão política envolvendo o acesso imotivado à base de dados da Receita Federal do Brasil, foi editada a MP 507/2010, dispondo, no essencial:
Art. 1º. O servidor público que permitir ou facilitar, mediante atribuição, fornecimento, empréstimo de senha ou qualquer outra forma, acesso de pessoas não autorizadas a informações protegidas por sigilo fiscal, de que trata o art. 198 da Lei no 5.172, de 25 de outubro de 1966, será punido com pena de demissão, destituição de cargo em comissão, ou cassação de disponibilidade ou aposentadoria. 
Art. 2º. O servidor público que se utilizar indevidamente do acesso restrito às informações protegidas por sigilo fiscal será punido com pena de demissão, destituição de cargo em comissão, ou cassação de disponibilidade ou aposentadoria. 
Art. 3º. O servidor público que acessar sem motivo justificado as informações protegidas por sigilo fiscal será punido com pena de suspensão de até cento e oitenta dias, desde que não configurada a utilização indevida de que trata o art. 2º desta Medida Provisória. 
§ 1º. O acesso a informações protegidas por sigilo fiscal será disciplinado pelo órgão responsável pela guarda da informação sigilosa. 
§ 2º. O acesso sem motivo justificado de que trata o caput deste artigo acarretará a penalidade de demissão, destituição de cargo em comissão, ou cassação de disponibilidade ou aposentadoria:
I – se houver impressão, cópia ou qualquer forma de extração dos dados protegidos;
II – em caso de reincidência. 
Art. 4º. A demissão, a destituição de cargo em comissão e a cassação de disponibilidade ou de aposentadoria previstas nos arts. 1º a 3º incompatibilizam o ex-servidor para novo cargo, emprego ou função pública em órgão ou entidade da administração pública federal, pelo prazo de cinco anos.
Art. 5º. Somente por instrumento público específico, o contribuinte poderá conferir poderes a terceiros para, em seu nome, praticar atos perante órgão da administração pública que impliquem fornecimento de dado protegido pelo sigilo fiscal, vedado o substabelecimento por instrumento particular. 
§ 1º. A partir da implementação do registro eletrônico de que trata o art. 37 da Lei no 11.977, de 7 de julho de 2009, o instrumento de mandato de que trata o caput deverá ser disponibilizado eletronicamente à Secretaria da Receita Federal do Brasil para operar os efeitos que lhe forem próprios. 
§ 2º. O disposto neste artigo não se aplica à outorga de poderes para fins de utilização, com certificação digital, dos serviços disponíveis no Centro Virtual de Atendimento ao Contribuinte da Secretaria da Receita Federal do Brasil, quando referida outorga for:
I – realizada pessoalmente em unidades da Secretaria da Receita Federal do Brasil; ou
II – realizada por meio de certificado digital, nos termos regulados pela Secretaria da Receita Federal do Brasil. 
§ 3º. A Secretaria da Receita Federal do Brasil editará os atos para disciplinar o disposto neste artigo.
Como se pode verificar, a MP 507/2010 pouco inova em face da Lei 8.112/90.
De fato, a revelação de segredo conhecido em razão do cargo (artigo 1º da MP, dado que permitir o acesso de terceiros é o mesmo que revelar) já era causa de demissão do servidor público[1], nos termos do artigo 132, IX, da Lei 8.112/90. Constituindo crime (CP, artigo 325, caput e parágrafo 1º, I), era igualmente causa de demissão na forma do artigo 132, I, daquela lei.
O uso indevido do acesso restrito, sendo crime (CP, artigo 325, parágrafo 1º, II), também já levava à demissão, por aplicação do artigo 132, I, da Lei 8.112/90.
Inovação há quanto ao acesso sem motivo justificado, cuja distinção frente ao uso indevido do acesso restrito é tênue[2], em especial porque implicará a mesma pena deste último, em caso de reincidência ou de impressão dos dados obtidos (MP 507/2010, artigo 3º, parágrafo 2º, I e II).
O artigo 4º da MP traz verdadeiro benefício para o infrator. Deveras, o artigo 137, parágrafo único, da Lei 8.112/90 inabilita definitivamente para o serviço público federal o indivíduo demitido pela prática de crime — caso das condutas previstas pela MP, exceto o acesso sem motivo justificado que não constitua uso indevido do acesso restrito (artigo 3º), de rara aplicação qua tale. E o novel dispositivo limita tal inabilitação a cinco anos.
Tais constatações desautorizam os termos da exposição de motivos da medida provisória, de onde se extrai o trecho abaixo:
EM Interministerial nº 00152 – 2010 – MF/MP/CGU
Brasília, 20 de setembro de 2010.
Excelentíssimo Senhor Presidente da República,
Temos a honra de submeter à apreciação de Vossa Excelência a Medida Provisória que: (i) introduz penalidade administrativa específica quando da utilização indevida de acesso restrito às informações protegidas por sigilo fiscal; (ii) introduz penalidade administrativa específica, com vistas a tornar mais gravosa a sanção para as condutas de acesso sem motivo justificado e empréstimo de senha, que atentam contra a inviolabilidade do sigilo fiscal; (…)
2. São punidas, atualmente, no âmbito administrativo-disciplinar, as condutas de (a) acessar imotivadamente sistemas informatizados da Secretaria da Receita Federal do Brasil, arquivos de documentos ou autos de processos, que contenham informações protegidas por sigilo fiscal e (b) não proceder com o devido cuidado na guarda e utilização de sua senha ou emprestá-la a outro servidor, ainda que habilitado, desde que não se configure quebra de sigilo fiscal. A conduta de quebra de sigilo fiscal já enseja atualmente aplicação da pena de demissão.
3. Constata-se que as condutas descritas nos itens (a) e (b), acima, apresentam alto potencial de lesividade à Administração Pública e a particulares, além de alto grau de repulsa social.
4. Assim, é proposta a penalidade de demissão para o servidor público federal que permitir ou facilitar acesso de pessoas não autorizadas sistemas de informações ou bancos de dados da Administração Pública Federal que estejam protegidos por sigilo fiscal.
5. Adicionalmente, para a conduta de acesso sem motivo justificado a sistemas de informações, bancos de dados, autos de processos ou arquivos de documentos da Administração Pública Federal que contenham informações protegidas por sigilo fiscal é proposta a pena de suspensão por até 180 (cento e oitenta) dias, por se tratar de conjunto de informações de posse do Estado a que o contribuinte está obrigado a manter atualizado por força legal, não se constituindo em faculdade ou opção. Finalmente, é estipulada a penalidade de demissão se (a) houver reincidência na conduta ou (b) restar demonstrado que houve impressão, extração ou cópia dos dados protegidos em desacordo com o regulamento do órgão ou que os dados, informações ou documentos foram utilizados para finalidade diversa da prevista em lei ou regulamento.
(…)
7. A urgência da matéria, que ora se propõe regular, é justificada pela necessidade premente de tornar mais gravosa a conseqüência do acesso sem motivo justificado a informações protegidas por sigilo fiscal e da cessão ou empréstimo de senha ou qualquer outra forma de acesso a informações protegidas por sigilo fiscal, trazendo, imediatamente, maior segurança aos dados dos contribuintes mantidos pela Administração Pública Federal, reduzindo o risco de má utilização das informações. (…)
8. Essas, Senhor Presidente, são as razões que justificam a elaboração da Medida Provisória que ora submetemos à elevada apreciação de Vossa Excelência.”
As inconsistências são patentes. Como já anotado:
● a penalidade por uso indevido da acesso restrito a dados protegidos pelo sigilo fiscal (primeira frase sublinhada) já existia, e foi mantida sem alteração pela medida provisória (Lei 8.112/90, artigo 132, I, c/c CP, artigo 325, parágrafo 1º, II);
● o mesmo se diga quanto ao empréstimo de senha: Lei 8.112/90, artigo 132, I e IX, c/c CP, artigo 325, parágrafo 1º, I;
● a penalidade de demissão para o servidor que permitir ou facilitar o acesso de terceiros a informações protegidas pelo sigilo fiscal não é proposta pelos fautores da medida provisória, mas simplesmente reiterada por estes;
● a medida provisória não traz, ao contrário do que se afirma, qualquer agravamento das penalidades já existentes, exceção feita ao raro caso de acesso imotivado que não constitua uso indevido do acesso restrito, como referido acima. No mais, chega a beneficiar o funcionário infrator, reduzindo a sua inabilitação para novo cargo na Administração Pública Federal para apenas cinco anos.
Do exposto, transparece a nítida falta de relevância e urgência para a medida provisória, que foi por isso mesmo editada em contrariedade com os ditames do artigo 62 da Constituição.
Após uma postura inicial de auto-contenção quanto ao exame destes requisitos, passou o STF a considerá-los sindicáveis, tendo-se por competente para invalidar a medida provisória editada em situação de franca desnecessidade. É ver o precedente abaixo, tomado em ADI proposta pelo Conselho Federal da OAB:
Ação rescisória: argüição de inconstitucionalidade de medidas provisórias (MPr 1.703/98 a MPr 1798-3/99) editadas e reeditadas para a) alterar o art. 188, I, CPC, a fim de duplicar o prazo para ajuizar ação rescisória, quando proposta pela União, os Estados, o DF, os Municípios ou o Ministério Público; b) acrescentar o inciso X no art. 485 CPC, de modo a tornar rescindível a sentença, quando ‘a indenização fixada em ação de desapropriação direta ou indireta for flagrantemente superior ou manifestamente inferior ao preço de mercado objeto da ação judicial’: preceitos que adoçam a pílula do edito anterior sem lhe extrair, contudo, o veneno da essência: medida cautelar deferida.
1. Medida provisória: excepcionalidade da censura jurisdicional da ausência dos pressupostos de relevância e urgência à sua edição: raia, no entanto, pela irrisão a afirmação de urgência para as alterações questionadas à disciplina legal da ação rescisória, quando, segundo a doutrina e a jurisprudência, sua aplicação à rescisão de sentenças já transitadas em julgado, quanto a uma delas – a criação de novo caso de rescindibilidade – é pacificamente inadmissível e quanto à outra – a ampliação do prazo de decadência – é pelo menos duvidosa: razões da medida cautelar na ADIn 1753, que persistem na presente.
2. Plausibilidade, ademais, da impugnação da utilização de medidas provisórias para alterar a disciplina legal do processo, à vista da definitividade dos atos nele praticados, em particular, de sentença coberta pela coisa julgada.
3. A igualdade das partes é imanente ao procedural due process of law; quando uma das partes é o Estado, a jurisprudência tem transigido com alguns favores legais que, além da vetustez, tem sido reputados não arbitrários por visarem a compensar dificuldades da defesa em juízo das entidades públicas; se, ao contrário, desafiam a medida da razoabilidade ou d a proporcionalidade, caracterizam privilégios inconstitucionais: parece ser esse o caso na parte em que a nova medida provisória insiste, quanto ao prazo de decadência da ação rescisória, no favorecimento unilateral das entidades estatais, aparentemente não explicável por diferenças reais entre as partes e que, somadas a outras vantagens processuais da Fazenda Pública, agravam a conseqüência perversa de retardar sem limites a satisfação do direito do particular já reconhecido em juízo.
4. No caminho da efetivação do due process of law – que tem particular relevo na construção sempre inacabada do Estado de direito democrático – a tendência há de ser a da gradativa superação dos privilégios processuais do Estado, à custa da melhoria de suas instituições de defesa em juízo, e nunca a da ampliação deles ou a da criação de outros, como – é preciso dizê-lo – se tem observado neste decênio no Brasil. (STF, Pleno, ADI nº 1.910-MC/DF, Rel. Min. SEPÚLVEDA PERTENCE, DJ 27.02.2004)
Este é o caso da MP 507/2010, que, (a) ou se limita a reiterar sanções já vigentes, ou (b) exige procuração pública para – dentre outras finalidades – a atuação em processos administrativos tributários, resvalando por isso mesmo em matéria processual e incidindo na censura do STF quanto ao uso de medida provisória para “alterar a disciplina legal do processo”.
Quanto à exigência de procuração pública, tem-se ainda que as drásticas sanções previstas no Código Penal e na Lei nº 8.112/90 constituem garantia suficiente do respeito ao sigilo fiscal, não havendo urgência na instituição de nova formalidade — aliás, ofensiva ao princípio da proporcionalidade, como se verá no item 2 infra — para o mesmo fim.
Donde concluirmos pela inconstitucionalidade formal do diploma.
Inconstitucionalidade material da MP, na parte em que exige procuração pública
Reveja-se o art. 5º da medida provisória:
“Art. 5º. Somente por instrumento público específico, o contribuinte poderá conferir poderes a terceiros para, em seu nome, praticar atos perante órgão da administração pública que impliquem fornecimento de dado protegido pelo sigilo fiscal, vedado o substabelecimento por instrumento particular. 
§ 1º. A partir da implementação do registro eletrônico de que trata o art. 37 da Lei no 11.977, de 7 de julho de 2009, o instrumento de mandato de que trata o caput deverá ser disponibilizado eletronicamente à Secretaria da Receita Federal do Brasil para operar os efeitos que lhe forem próprios. (…)”
O dispositivo foi regulamentado pela Portaria RFB 1.860/2010, que dispõe:
Art. 3º. São protegidas por sigilo fiscal as informações obtidas em razão do ofício sobre a situação econômica ou financeira do sujeito passivo ou de terceiros e sobre a natureza e o estado de seus negócios ou atividades, tais como:
I – as relativas a rendas, rendimentos, patrimônio, débitos, créditos, dívidas e movimentação financeira ou patrimonial;
II – as que revelem negócios, contratos, relacionamentos comerciais, fornecedores, clientes e volumes ou valores de compra e venda, desde que obtidas para fins de arrecadação e fiscalização de tributos, inclusive aduaneiros;
III – as relativas a projetos, processos industriais, fórmulas, composição e fatores de produção.
§ 1º. Não estão protegidas pelo sigilo fiscal as informações:
I – cadastrais do sujeito passivo, assim entendidas as que permitam sua identificação e individualização, tais como nome, data de nascimento, endereço, filiação, qualificação e composição societária;
II – cadastrais relativas à regularidade fiscal do sujeito passivo, desde que não revelem valores de débitos ou créditos;
III – agregadas, que não identifiquem o sujeito passivo; e
IV – previstas no § 3º do art. 198 da Lei nº 5.172, de 1966.
§ 2º. O disposto no § 1º não afasta a aplicação do art. 116, inciso VIII, da Lei nº 8.112, de 11 de dezembro de 1990.
(…)
Art. 7º. Somente por instrumento público específico, o contribuinte poderá conferir poderes a terceiros para, em seu nome, praticar atos perante órgão da administração pública que impliquem fornecimento de dado protegido pelo sigilo fiscal, vedado o substabelecimento por instrumento particular.
§ 1º. Para produzir efeitos, o instrumento público específico de que trata o caput deve atender às seguintes condições:
I – ser formalizado por meio de procuração pública lavrada por tabelião de nota, na forma do inciso I do art. 7º da Lei nº 8.935, de 18 de novembro de 1994, ou, em se tratando de outorgante no exterior, no serviço consular, nos termos do art. 1º do Decreto nº 84.451, de 31 de janeiro de 1980;
II – possuir os seguintes requisitos:
a) qualificação do outorgante, inclusive com o número de inscrição no Cadastro de Pessoas Físicas do Ministério da Fazenda (CPF) ou no Cadastro Nacional da Pessoa Jurídica (CNPJ);
b) qualificação do outorgado, inclusive com o número de inscrição no Cadastro de Pessoas Físicas do Ministério da Fazenda (CPF);
c) relação dos poderes conferidos, que poderão ser amplos e gerais ou específicos e especiais;
d) declaração de que a procuração tem por objeto a representação do outorgante perante o órgão detentor das informações fiscais requeridas; e
e) prazo de validade, que não poderá ser superior a cinco anos;
III – ter sido efetuada a transmissão eletrônica, para a Secretaria da Receita Federal do Brasil, do extrato da procuração, com as seguintes informações:
a) número do registro público da procuração;
b) número de inscrição no CPF ou no CNPJ do outorgante e o número de inscrição no CPF do outorgado;
c) relação dos poderes conferidos;
d) prazo de validade da procuração; e
e) no caso de substabelecimento, o nome do cartório e o número da procuração original ou do substabelecimento antecedente, se houver.
§ 2º. A transmissão das informações de que trata o inciso III do § 1º deve ser efetuada pelo cartório de notas, ou pelo serviço consular, por meio de Programa Gerador de Extrato de Declaração (PGED) a ser disponibilizado no sitio da Secretaria da Receita Federal do Brasil no endereço www.receita.fazenda.gov.br.
§ 3º. As disposições de que tratam o inciso III do § 1º e o § 2º não se aplicam aos cartórios que, a partir da implementação do registro eletrônico de que trata o art. 37 da Lei nº 11.977, de 7 de julho de 2009, disponibilizarem eletronicamente a procuração de que trata o inciso I à Secretaria da Receita Federal do Brasil.
§ 4º. No caso de não cumprimento do disposto no inciso III, o atendimento pelo órgão a que se refere o caput somente será concluído após a verificação da autenticidade da procuração.
§ 5º. A Secretaria da Receita Federal do Brasil dará acesso público aos dados obtidos na forma do inciso III do § 1º.
Art. 8º. As disposições do art. 7º não alcançam as procurações já anexadas a processos ou apresentadas antes da edição desta Portaria.
Parágrafo único. As procurações de que trata o caput perderão a validade perante a Secretaria da Receita Federal do Brasil no prazo de 5 anos contados da publicação desta Portaria, salvo se dispuserem prazo de validade menor.
Devido aos diplomas, alguns órgãos da Receita Federal do Brasil têm exigido a apresentação de procuração pública mesmo para atos que não implicam o fornecimento de dados protegidos por sigilo fiscal, como o protocolo de impugnações a autos de infração, de manifestações de inconformidade contra a não-homologação de compensações, de recursos administrativos, etc.
A prática extrapola claramente o disposto no artigo 5º da MP 507/2010 e na portaria regulamentadora.
Esta última, por seu turno, incorre em pelo menos uma ilegalidade adicional, ao fixar de forma autônoma em cinco anos a validade das futuras procurações públicas (artigo 7º, parágrafo 1º, II, e) e das procurações particulares preexistentes (artigo 8º, parágrafo único).
A solução dos vícios acima apontados não basta para garantir a validade da nova regra, que não atende ao princípio da proporcionalidade, assim definido no voto condutor do Min. GILMAR MENDES no RE 511.961/SP (STF, Pleno, DJe 13.11.2009):
A doutrina constitucional mais moderna enfatiza que, e se tratando de imposição de restrições a determinados direitos, deve-se indagar não apenas sobre a admissibilidade constitucional da restrição eventualmente fixada (reserva legal), mas também sobre a compatibilidade das restrições estabelecidas com o princípio da proporcionalidade.
Essa orientação, que permite converter o princípio da reserva legal (Gesetzesvorbehalt) no princípio da reserva legal proporcional (Vorbehalt des verhältnismässigen Gesetzes), pressupõe não só a legitimidade dos meios utilizados e dos fins perseguidos, como também a adequação desses meios para consecução dos objetivos pretendidos (Geeignetheit) e a necessidade de sua utilização (Notwendigkeit oder Erforderlichkeit).
O subprincípio da adequação (Geeignetheit) exige que as medidas interventivas adotadas mostrem-se aptas a atingir os objetivos pretendidos. O subprincípio da necessidade (Notwendigkeit oder Erforderlichkeit) significa que nenhum meio menos gravoso para o indivíduo revelar-se-ia igualmente eficaz na consecução dos objetivos pretendidos.
Um juízo definitivo sobre a proporcionalidade da medida há também de resultar da rigorosa ponderação e do possível equilíbrio entre o significado da intervenção para o atingido e os objetivos perseguidos pelo legislador (proporcionalidade em sentido estrito).
O fim “proteção do sigilo fiscal” é, sem dúvida, legítimo. Também é constitucional a exigência de procuração pública para atos excepcionalmente solenes (como o casamento por procuração; CC, artigo 1.542, caput).
Como se depreende do trecho acima, porém, a licitude intrínseca do fim pretendido e do meio empregado não basta para garantir a legitimidade da restrição imposta em cada caso concreto, impondo-se a indagação sobre a adequação e a necessidade desta para a consecução do objetivo visado, e sobre o equilíbrio entre os aspectos positivos e negativos da medida legal.
A exigência de procuração pública de quem pretende ter acesso a dados fiscais sigilosos de terceiros dificulta o ludíbrio dos servidores públicos por pessoas mal-intencionadas, mas nada pode contra as situações em que aqueles ajam em conluio com estas, ou em que atuem isoladamente, movidos por interesse espúrio próprio.
Trata-se, portanto, de solução parcial, inapta para atingir de forma plena o objetivo declarado pelos signatários da exposição de motivos da medida provisória — falha quanto ao subprincípio da adequação.
À reduzida eficiência da medida soma-se a sua elevada onerosidade para o particular, não só porque burocratiza o exercício do seu direito constitucional a obter informações de seu interesse junto aos órgãos públicos (CF, artigo 5º, XXXIII), notórias que são as deficiências de atendimento de alguns cartórios, mas ainda porque são elevados os custos de confecção de uma procuração pública.
Claro, assim, também o desrespeito ao subprincípio da necessidade.
Quanto à imposição de custos financeiros, cumpre ainda observar que a medida provisória — mesmo que de maneira oblíqua — condiciona ao pagamento de taxa[3] a prática de atos que a Constituição imuniza expressamente de tais tributos[4], residindo aí mais uma causa autônoma de sua inconstitucionalidade material.
Do exposto, resulta demonstrada também a violação ao subprincípio da proporcionalidade em sentido estrito, na medida em que há um franco desequilíbrio entre o significado da intervenção para o particular (onerosidade excessiva) e o grau de realização dos objetivos almejados pelo legislador (bastante reduzido).
Inexigibilidade de procuração pública em relação à advocacia
Dispõe o Estatuto da Advocacia e da OAB:
“Art. 5º. O advogado postula, em juízo ou fora dele, fazendo prova do mandato.
§ 1º. O advogado, afirmando urgência, pode atuar sem procuração, obrigando-se a apresentá-la no prazo de quinze dias, prorrogável por igual período.
§ 2º. A procuração para o foro em geral habilita o advogado a praticar todos os atos judiciais, em qualquer juízo ou instância, salvo os que exijam poderes especiais. (…)”
Não havendo exigência de forma especial (CC, artigo 107), entende-se que pode ser particular a procuração que habilita o advogado à prática de todos os atos necessários ao desempenho de sua profissão, em juízo ou fora dele.
E nem poderia ser diferente, pois mesmo a procuração verbal ou tácita é admitida por prazo limitado (parágrafo 1º acima).
Idênticas regras vêm consagradas no CPC:
Art. 37. Sem instrumento de mandato, o advogado não será admitido a procurar em juízo. Poderá, todavia, em nome da parte, intentar ação, a fim de evitar decadência ou prescrição, bem como intervir, no processo, para praticar atos reputados urgentes. Nestes casos, o advogado se obrigará, independentemente de caução, a exibir o instrumento de mandato no prazo de 15 (quinze) dias, prorrogável até outros 15 (quinze), por despacho do juiz.
Parágrafo único. Os atos, não ratificados no prazo, serão havidos por inexistentes, respondendo o advogado por despesas e perdas e danos.
Art. 38. A procuração geral para o foro, conferida por instrumento público, ou particular assinado pela parte, habilita o advogado a praticar todos os atos do processo, salvo para receber citação inicial, confessar, reconhecer a procedência do pedido, transigir, desistir, renunciar ao direito sobre que se funda a ação, receber, dar quitação e firmar compromisso.
Parágrafo único. A procuração pode ser assinada digitalmente com base em certificado emitido por Autoridade Certificadora credenciada, na forma da lei específica.
Trata-se, claro está, de regras especiais aplicáveis aos profissionais da advocacia, não sendo passíveis de revogação por regras gerais supervenientes, como decorre do artigo 2º, parágrafo 2º, da Lei de Introdução ao Código Civil[5].
Sobre o tema, vale conferir a doutrina de NORBERTO BOBBIO[6]:
Conflito ente o critério de especialidade e o cronológico: esse conflito tem lugar quando uma norma anterior-especial é incompatível com uma norma posterior-geral. Tem-se conflito porque, aplicando o critério de especialidade, dá-se preponderância à primeira norma; aplicando-se o critério cronológico, dá-se prevalência à segunda. Também aqui foi transmitida uma regra geral, que soa assim: Lex posterior generalis non derogat priori speciali. Com base nessa regra, o conflito entre critério de especialidade e critério cronológico deve ser resolvido em favor do primeiro: a lei geral sucessiva não tira do caminho a especial precedente. O que leva a uma posterior exceção ao princípio lex posterior derogat priori: esse princípio falha, não só quando a lex posterior é inferior, mas também quando é generalis (e a lex prior é specialis). (…)
Do exposto, conclui-se sem dificuldade que o direito dos advogados de representarem os seus clientes para todos os fins, em juízo ou fora dele, mediante simples procuração particular não foi atingido pela MP 507/2010, e isso sem sequer considerar as suas manifestas inconstitucionalidades, demonstradas nos itens 1 e 2 acima.
Oportuno registrar que a conclusão harmoniza-se com a especial confiança que os advogados recebem do legislador pátrio, de que são exemplos os seguintes comandos do CPC:
Art. 365. Fazem a mesma prova que os originais:
(…)
IV – as cópias reprográficas de peças do próprio processo judicial declaradas autênticas pelo próprio advogado sob sua responsabilidade pessoal, se não lhes for impugnada a autenticidade.
Art. 544. Não admitido o recurso extraordinário ou o recurso especial, caberá agravo de instrumento, no prazo de 10 (dez) dias, para o Supremo Tribunal Federal ou para o Superior Tribunal de Justiça, conforme o caso.
§ 1º. O agravo de instrumento será instruído com as peças apresentadas pelas partes, devendo constar obrigatoriamente, sob pena de não conhecimento, cópias do acórdão recorrido, da certidão da respectiva intimação, da petição de interposição do recurso denegado, das contra-razões, da decisão agravada, da certidão da respectiva intimação e das procurações outorgadas aos advogados do agravante e do agravado. As cópias das peças do processo poderão ser declaradas autênticas pelo próprio advogado, sob sua responsabilidade pessoal.
A fé pública dos advogados é mantida no Anteprojeto de Código de Processo Civil, artigos 385, IV (cópias do próprio processo judicial), 491, parágrafo 3º (idem, para fim de execução provisória), 835, parágrafo 1º (idem, para fim de embargos à execução) e 951, parágrafo 1º (idem, para fim de agravo de instrumento contra a decisão que inadmite recurso especial ou extraordinário).
Nada justifica, assim, a exigência de procuração pública para a atuação dos advogados.
Pelo exposto, concluímos que a MP 507/2010 padece de inconstitucionalidade formal (ausência de relevância e urgência e caráter processual da exigência de procuração pública, no que toca à atuação em feitos administrativos) e material (ofensa ao princípio da proporcionalidade e violação ao artigo 5º, XXXIV, da Constituição) e que, caso seja tida por válida, não se aplica aos profissionais da advocacia, que são regidos por lei específica quanto à sua atuação em juízo e fora dele.


[1] A menção à demissão subentenderá sempre a cassação da aposentadoria ou disponibilidade e a destituição de cargo em comissão.
[2] Segundo a Portaria RFB nº 1.860/2010, que regulamentou a medida provisória:
“Art. 4º. Entende-se por utilização indevida do acesso restrito às informações protegidas por sigilo fiscal o acesso a banco de dados informatizados para o qual o servidor não possua permissão.
Art. 5º. Configura acesso sem motivo justificado aquele realizado:
I – fora das atribuições do cargo;
II – sem a observância dos procedimentos formais; ou
III – sem necessidade de conhecimento das informações para a realização de suas atividades.”
3] Pois esta é a natureza jurídica dos emolumentos notariais (cf., entre outros, STF, Pleno, ADI nº 3.694/AP, Rel. Min. SEPÚLVEDA PERTENCE, DJ 06.11.2006).
[4] “Art. 5º, XXXIV – são a todos assegurados, independentemente do pagamento de taxas:
a) o direito de petição aos Poderes Públicos em defesa de direitos ou contra ilegalidade ou abuso de poder;
b) a obtenção de certidões em repartições públicas, para defesa de direitos e esclarecimento de situações de interesse pessoal.”
5] “Art. 2º. Não se destinando à vigência temporária, a lei terá vigor até que outra a modifique ou revogue.
§ 1º.  A lei posterior revoga a anterior quando expressamente o declare, quando seja com ela incompatível ou quando regule inteiramente a matéria de que tratava a lei anterior.
§ 2º.  A lei nova, que estabeleça disposições gerais ou especiais a par das já existentes, não revoga nem modifica a lei anterior.”
[6] Teoria do Ordenamento Jurídico. 10. ed. Brasília: Editora UnB, 1999, p. 108, grifamos
 
Igor Mauler Santiago é advogado tributarista, mestre e doutor em Direito Tributário pela UFMG. Sócio responsável pelos escritórios Sacha Calmon — Misabel Derzi Consultores e Advogados em São Paulo e no Distrito Federal. E integrante da Comissão Especial de Assuntos Tributários do Conselho Federal da OAB.
 
 

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