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Conjur publica artigo de Tiago Conde sobre a nova LINDB

07 de janeiro de 2019

A revista eletrônica Consultor Jurídico publicou artigo do sócio do SCMD, Tiago Conde Teixeira, sobre modificações ocorridas na Lei de Introdução às normas do Direito Brasileiro (LINDB).

A nova Lindb e sua necessária aplicação ao processo administrativo fiscal

Por Tiago Conde Teixeira

O ano de 2018 foi marcado por uma importante legislação pela efetivação das garantias constitucionais do contribuinte e pela segurança jurídica. Especificamente, trataremos aqui do artigo 24 da Lei n° 13.655, de 25 de abril de 2018, diploma legislativo que incluiu nove artigos na Lei de Introdução às normas do Direito Brasileiro (Decreto-Lei n° 4.657/1942 – LINDB), com o objetivo maior de conferir segurança jurídica e eficiência na criação e aplicação do direito público geral.

A par das questões acerca dos efeitos da LINDB sobre a motivação fiscal, outra questão a ser abordada refere-se à gestão e aplicação dos precedentes ou jurisprudência administrativa, com o fim de se alcançar segurança jurídica e unicidade de critérios nas decisões administrativas. A matéria está veiculada no art. 24 da LINDB, que determina ao administrador, quando proceder à revisão quanto à validade de ato, contrato, ajuste ou norma, à observância da orientação jurisprudencial vigente à época da produção do referido ato. Confira-se:

Art. 24. A revisão, nas esferas administrativa, controladora ou judicial, quanto à validade de ato, contrato, ajuste, processo ou norma administrativa cuja produção já se houver completado levará em conta as orientações gerais da época, sendo vedado que, com base em mudança posterior de orientação geral, se declarem inválidas situações plenamente constituídas.

Parágrafo único. Consideram-se orientações gerais as interpretações e especificações contidas em atos públicos de caráter geral ou em jurisprudência judicial ou administrativa majoritária, e ainda as adotadas por prática administrativa reiterada e de amplo conhecimento público.

O art. 24 da LINDB pode ser considerado a pedra de toque da nova legislação, pois anuncia o dever de uniformidade e unicidade da jurisprudência, garantindo segurança ao sujeito abrangido pela decisão, por meio da manutenção das relações jurídicas já perfectibilizadas e vedação de invalidação de atos pretéritos fundados em entendimento ou precedente pretérito.

Não obstante a resistência do CARF em reconhecer a aplicação do aludido art. 24 ao Processo Administrativo Fiscal (PAF), a legislação específica de regência já prevê a necessidade de uniformização da jurisprudência e a unicidade de critérios a serem adotados pela Administração. Veja-se que o CPC/2015, de aplicação subsidiária ao PAF, possui previsão em seus arts. 926 e 927 para que os tribunais e juízes de primeira instância mantenham jurisprudência íntegra, estável e coerente, orientação que deve ser seguida também no âmbito administrativo, inclusive para orientar a aplicação do referido art. 24 da LINDB.

Em verdade, esse parece ser o objetivo maior do art. 24 da LINDB: estabelecer a regra geral de eficácia vinculante dos atos/decisões e normas administrativas (incluídas decisões em precedentes), com vistas a garantir a segurança jurídica e proteção do administrado em relação à interpretação e aplicação de determinada lei ou norma.

Vale destacar que o artigo 24 da LINDB não estipula a imutabilidade das decisões administrativas; antes, determina que sejam proferidas em observância às orientações gerais da época em que externado o ato, o processo ou a norma administrativa anterior, assim como previne que eventual alteração de entendimento ou orientação implique a invalidação de situação pretérita plenamente constituída.

Ademais, sobre o conteúdo do art. 24 da LINBD, nota-se regra específica dirigida ao administrador nas hipóteses em que haja alteração ou superação posterior da orientação geral ou jurisprudência administrativa: é vedado que, com base na mudança posterior de orientação geral, se declarem inválidas situações plenamente constituídas.

Sobre a possibilidade de mudança de entendimento jurisprudencial acerca de mesma norma ou parâmetro legislativo, é de se evidenciar lição de Aliomar Baleeiro e Misabel Derzi, segundo os quais o direito é modificado quando o julgador em processo administrativo ou judicial atribui novo sentido a norma anterior, que permita superar o anterior:

O direito pode ser modificado por meio de atos administrativos e judiciais que, sem produzirem novo enunciado linguístico, atribuem à lei antiga sentido diverso, inovando o seu objeto, a norma que ela significa. Assim, sem que o Poder Legislativo tenha editado lei nova, norma nova pode aflorar dela[1].

Assim, resta apenas pontuar que, conforme previsão do art. 24 da LINDB, é justamente nas hipóteses de mudança posterior ou superação de orientação geram firmada em jurisprudência administrativa (overruling), será possível afirmar a validade das situações plenamente constituídas na vigência da jurisprudência ou entendimento anterior, como garantia de segurança jurídica e proteção da confiança do administrado, que pautou suas operações e atividades em obediência à orientação da autoridade administrativa.

Em suma, a orientação prevista no art. 24 da LINDB não é, de fato, inovadora, porquanto apenas densifica orientações gerais já firmadas no âmbito da legislação correlata, mais especificamente no NCPC, de aplicação subsidiária ao processo administrativo. Ou seja, embora se tenha positivado comando normativo do art. 24 da LINDB, direcionado ao administrador para que proceda à motivação e à fundamentação de suas decisões de modo coerente e coeso com manifestação anteriores e sempre em atenção à segurança jurídica, tal procedimento já encontra guarida na legislação, seja por meio de construção principiológica, seja mediante aplicação subsidiária do NCPC.

Da ausência de inovação na LINDB

Por outro lado, é antiga a orientação legal que proíbe aplicação reatroativa de entendimentos jurisprudenciais, principalmente quando se revelarem mais gravosos para os contribuintes. Tal vedação é consagrada de forma taxativa pelo artigo 2° da Lei n° 9.784/1999 (Regula o processo administrativo no âmbito da Administração Pública Federa), que sujeita a Administração Pública à observância da Segurança Jurídica e ainda proíbe aplicação retroativa de nova interpretação:

“Art. 2o A Administração Pública obedecerá, dentre outros, aos princípios da legalidade, finalidade, motivação, razoabilidade, proporcionalidade, moralidade, ampla defesa, contraditório, segurança jurídica, interesse público e eficiência.

Parágrafo único. Nos processos administrativos serão observados, entre outros, os critérios de:

XIII – interpretação da norma administrativa da forma que melhor garanta o atendimento do fim público a que se dirige, vedada aplicação retroativa de nova interpretação.”

Nessa linha, as disposições de interpretação da norma administrativa (jurisprudência) autolimitam a própria administração pública, na medida que esta exterioriza o seu critério e cria uma orientação para a conduta do contribuinte. Isso impossibilitará o órgão julgador administrativo adotar um novo critério quando o contribuinte tiver se baseado na orientação emanada do órgão julgador administrativo, a Câmara Superior de Recursos Fiscais do CARF.

Ademais, o Código Tributário Nacional ainda tutela no seu artigo 100, parágrafo único, o princípio da segurança jurídica. Isso porque o mencionado artigo exclui a imposição de penalidades, a cobrança de juros de mora e a atualização do valor monetário da base de cálculo do tributo em caso de inovação nas normas complementares das leis, estando incluídas dentre elas as decisões dos órgãos de jurisdição administrativa, a que a lei atribua eficácia normativa.

Sob o aspecto temporal, os atos administrativos, aqui incluídas as decisões dos órgãos de jurisdição administrativa – independente do caráter normativo – devem respeitar o princípio da irretroatividade das normas tendo em vista a inteligência da lei aplicada ao caso concreto, que se cristalizou por meio da coisa julgada ou de decisão reiterada da Câmara Superior de Recursos Fiscais.

Não temos dúvida em afirmar que o artigo 100 do Código Tributário Nacional ainda é muito tímido porque permanece sendo devido a cobrança do tributo em caso de mudança na interpretação da legislação federal. Entretanto, trata-se de importante comando legal prestigiando o princípio da irretroatividade.

De outro lado, o artigo 144 do Código Tributário Nacional é amplo e prestigia o princípio da irretroatividade ao determinar que o lançamento deve reporta-se à data da ocorrência do fato gerador da obrigação e rege-se pela lei então vigente, ainda que posteriormente modificada.

Como já realçamos, a jurisprudência tem papel relevante e norteador para concretização das leis. Dessa forma, parece-nos, portanto, inteiramente aplicável a jurisprudência majoritária vigente à data dos fatos imponíveis, a favor do contribuinte. Limongi França[2], em 1970, em um curso de preparação à magistratura e ao ministério público já destacava que a jurisprudência pacífica adquire verdadeiro caráter de preceito geral.

Observe que a expressão jurisprudência majoritária apenas implica em afirmar que aceitação deve ser comum (abranger o consenso daqueles aos quais é dirigida) e a acolhida deve ser reiterada (que venha sendo reiterada por um tempo considerável). Assim, se a jurisprudência é a concretização da lei, o lançamento fiscal reporta-se à data da ocorrência do fato gerador sob pena de grave violação ao princípio da segurança jurídica.

Outro artigo que densifica o princípio da segurança jurídica e o princípio da irretroatividade administrativa é o artigo 146 do Código Tributário Nacional. O artigo em comento reforça a imutabilidade do lançamento e tem relação direta com previsibilidade e a segurança jurídica. Alerta Misabel Derzi que o ideal, por razões de segurança e equidade, é uma aplicação ampla do comando normativo estabelecido no artigo 146 (e não apenas quando já efetuado o lançamento). [3]

A professora mineira, citando Tipke, destaca ser um erro muito grave limitar o princípio da irretroatividade às leis. Leciona Misabel Derzi:

“Como já realçamos, o princípio da irretroatividade (do Direito) não deve ser limitado às leis, mas estendido às normas e atos administrativos ou judiciais. O que vale para o legislador precisa valer para a Administração e os Tribunais. O que significa que a Administração e o Poder Judiciário não podem tratar os casos que estão no passado de modo a desviarem da prática até então utilizada, e na qual o contribuinte tinha confiado. Exatamente por tais razões, o CTN atenua os efeitos bruscos da mudança de critérios por parte da Administração, quer no artigo 146, quer no artigo 100, ao estabelecer a observância dos atos normativos das autoridades administrativas, das decisões de seus órgãos e das práticas administrativas reiteradas exclui a imposição de penalidades, a cobrança de juros de mora e a atualização do valor monetário da base de cálculo do tributo.”[4]

Nessa toada, o parágrafo único do artigo 100 do CTN exclui a possibilidade da imposição das penalidades se o contribuinte vinha se orientado pela jurisprudência dominante que depois foi alterada. O artigo 146 do CTN vai muito além e determina que se já tiver havido notificação do sujeito passivo, a Administração não poderá efetuar um novo lançamento.

Assim, nada existe de novo na Lei n° 13.655/2018, mas apenas uma reafirmação do princípio da segurança jurídica, do artigo 2° da Lei n° 9.784/1999 (Lei do Processo Administrativo Federal) e dos artigos 100, 144 e 146 do Código Tributário Nacional.

Conclusão

Diante de todo o exposto, conclui-se que as alterações promovidas na LINDB com a inclusão do artigo 24, embora substantivas, porquanto positivam o dever formal dirigido ao administrador público, para que proceda à motivação de suas decisões conformes critérios específicos, tem por objetivo densificar e materializar princípios e valores já insculpidos na legislação de regência.

A despeito da controvérsia acerca da aplicabilidade dos preceitos normativos estabelecidos no artigo 24 da Lei n° 13.655/2018 às decisões administrativas, não se pode considerar que os contribuintes estejam desassistidos frente as inúmeras oscilações de jurisprudência, uma vez que o princípio da segurança jurídica subjaz à norma em comento.

[1] BALEEIRO, Aliomar. Direito Tributário Brasileiro. Atualizada por Misabel Abreu Machado Derzi. 12 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2013.

[2] FRANÇA, Rubens Limongi. Da Jurisprudência como Direito Positivo. In Revista da Faculdade de Direito, Universidade de São Paulo, 1971. Disponível em: . Acesso em 13/11/2018.

[3] BALEEIRO, Aliomar. Direito Tributário Brasileiro. Atualizada por Misabel Abreu Machado Derzi. 12 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2013. p. 1214.

[4] BALEEIRO, Aliomar. Direito Tributário Brasileiro. Atualizada por Misabel Abreu Machado Derzi. 12 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2013. p. 1214

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