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Igor Mauler no ConJur: Contribuinte executado paga mesmo quando ganha

16 de abril de 2014

A Revista Eletrônica Consultor Jurídico publicou, na Coluna Consultor Tributário, o novo artigo do sócio Igor Mauler Santiago, intitulado “Contribuinte executado paga mesmo quando ganha”.

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Contribuinte executado paga mesmo quando ganha

Por Igor Mauler Santiago

As execuções fiscais são um estorvo para o Judiciário. Em 2012, por exemplo, elas representavam 31,75% dos 92,2 milhões de processos ativos no país[1].

Igor Mauler passa a colaborar com nova coluna na ConJurA forma de lidar com o problema, porém, tem privilegiado apenas uma das partes, quando é certo que Estado e contribuinte têm no mínimo igual responsabilidade pelo seu agravamento: aquele, por editar normas inválidas e lavrar autuações defeituosas, dando origem a um mar de execuções inviáveis; os maus contribuintes, por frustrarem, não-raro por meio da ocultação de bens, exigências que sabem ser devidas.

Alguma criatividade institucional se impõe: (a) reunião de diversas dívidas em uma única execução; (b) criação de um procedimento sumário para a cobrança de débitos de pequeno valor, preservados o direito de defesa e a regularidade fiscal de quem o exercita — a tentação de elevar este piso seria refreada pela descriminalização, legal ou judicial (insignificância), dos ilícitos a ele limitados[2]; (c) bloqueio automático de bens, seguido de pronta liberação do excesso, dos contribuintes com histórico de execuções não garantidas — o que, em rigor, já é viabilizado com vantagem pela medida cautelar fiscal…

Quaisquer que sejam as inovações, cumpre manter o equilíbrio do legislador e a equidistância do juiz. E não é isso que temos testemunhado na evolução recente da matéria.

Comecemos pela eficácia dos embargos do devedor. No Recurso Especial 1.272.827/PE, a 1ª Seção do STJ[3] declarou aplicável à execução fiscal o artigo 739-A do Código de Processo Civil (inserido pela Lei 11.382/2006), segundo o qual só terão efeito suspensivo os embargos que, a critério do juiz, reunirem fumus boni iuris e periculum in mora.

Para tanto, rememorou que a Lei de Execuções Fiscais do Estado Novo (Decreto-lei 960/38) não previa o efeito suspensivo automático, no que foi seguida pela versão original do CPC de 1973 (onde a regra, vazada no artigo 739, parágrafo 1º, só foi incluída pela Lei 8.953/94) e — aqui a polêmica — tê-lo-ia sido também pela atual Lei de Execuções Fiscais (Lei 6.830/80). O silêncio desta última atrairia, na forma de seu artigo 1º, a aplicação subsidiária do CPC, autorizando a conclusão atingida pela corte.

Tal omissão, a nosso ver, não existe, havendo diversos comandos na LEF que apontam para a suspensividade automática. É o caso do artigo 19, segundo o qual a execução só prosseguirá contra o terceiro que deu a garantia se não for embargada, ou se os embargos forem rejeitados. Do artigo 24, que sujeita aos mesmos eventos a adjudicação, pela Fazenda exequente, dos bens penhorados. Do artigo 21, que qualifica de antecipada a alienação destes bens, se feita na pendência dos embargos. E do artigo 32, parágrafo 2º, que submete ao trânsito em julgado dos embargos o levantamento do depósito pela parte vencedora.

Acresça-se a isso que a Exposição de Motivos do Projeto de Lei 4.497/2004, origem da inovação legislativa, registrou que “será objeto de projeto em separado a execução fiscal, que igualmente merece atualização”.

Para agravar o quadro, o Supremo Tribunal Federal, ainda antes do julgamento do STJ, negara repercussão geral à controvérsia, qualificando-a de infraconstitucional[4].

A recusa parece-nos desacertada. Com efeito, ao contrário dos títulos executivos extrajudiciais de índole privada, em cuja formação tem-se o consentimento do devedor, a certidão de dívida ativa tributária é constituída de forma unilateral pelo credor. Esse ponto — muito mais do que um mero detalhe — justifica a supressão do efeito suspensivo naquele campo, pois só mesmo razões excepcionais podem suster a cobrança de dívida livremente assumida, e repele-a na seara fiscal. Nesta, o contraditório e a ampla defesa, garantidos ex ante (vedação do solve et repete), o devido processo legal substantivo e o direito de propriedade obstam a expropriação do contribuinte antes da confirmação do débito pelo Estado-juiz.

E nem se suponha que esse crivo seria satisfeito pelo contencioso administrativo. Conforme adverte o STF, um dos componentes centrais do due process of law é a “garantia plena de um julgamento imparcial, justo, regular e independente (fair trial)”[5].

Ora, no processo tributário administrativo, o Poder Executivo é a um tempo parte e julgador, tendo a sua pretensão mantida em caso de empate. Isso para não falar nas restrições ali existentes à cognição dos fatos (alergia à perícia) e do direito (vedação à declaração de inconstitucionalidade ou mesmo de ilegalidade), deficiências que só no Judiciário são superadas.

Por isso, esperamos que algum dos legitimados à ação direta de inconstitucionalidade impugne o artigo 739-A do CPC, predicando a invalidade de sua aplicação ao executivo fiscal, mantida a sua vigência para as execuções civis (declaração de inconstitucionalidade sem redução de texto).

Semelhante inflexão tem ocorrido no que toca à garantia do juízo, requisito essencial ao exercício do direito de defesa por meio dos embargos. De uma jurisprudência que compatibilizava, à luz do caso concreto, os artigos 612 (primazia do interesse da Fazenda) e 620 do CPC (menor onerosidade possível para o contribuinte), passamos a um contexto em que só o primeiro interessa: (a) virtual inadmissibilidade da penhora de qualquer bem ou direito, exceto o dinheiro, a fiança bancária e o seguro garantia (e talvez nem este[6]); (b) desnecessidade de exaurimento das tentativas de penhora antes do bloqueio de ativos bancários via BacenJud[7]; (c) impossibilidade de substituição, a pedido do contribuinte, do dinheiro bloqueado sequer por fiança bancária, salvo em casos excepcionalíssimos[8]; (d) direito da Fazenda que aceitou a fiança a obter, a qualquer tempo, a sua substituição por penhora on line de dinheiro[9]…

Se é assim — e pensamos que não deveria ser —, o mínimo que se exige é o reembolso, na hipótese de procedência final dos embargos, ou na medida em que acolhidos estes, dos custos suportados pelo contribuinte com a manutenção da garantia, assim como dos ganhos que deixou de auferir devido à privação temporária do numerário ali empregado (danos emergentes e lucros cessantes).

Um primeiro fundamento para essa pretensão seriam os artigos 20 do CPC e 39, parágrafo único, da LEF, que impõem ao sucumbente o dever de indenizar as despesas realizadas pelo vencedor.

Mas a verdade é que, malgrado as advertências de que “a vitória processual de quem tem razão deixaria de ser integral quando ele tivesse de suportar gastos para vencer”[10] e de que despesas processuais são “todos os gastos que se fazem com e para o processo, desde a petição inicial até a sua extinção”[11], a própria doutrina impõe limites a tal latitude, tendo a jurisprudência concluído que, afora as custas e os emolumentos, são indenizáveis apenas os pagamentos feitos aos terceiros acionados pelo aparelho judicial[12], excluídos os realizados por livre decisão da parte, caso da contratação de contador para a liquidação de sentença por simples cálculo aritmético[13].

A saída estaria em demonstrar, diante das circunstâncias do caso, que o particular tinha outros bens para dar em garantia, cuja rejeição arbitrária pela Fazenda Pública tornou inevitável o depósito ou a contratação do seguro ou da fiança.

Muito mais direto, contudo, é o artigo 574 do CPC, reavivado em nossa memória por Luiz Gustavo Bichara, em excelente palestra na Associação Brasileira de Direito Tributário: “o credor ressarcirá ao devedor os danos que este sofreu, quando a sentença, passada em julgado, declarar inexistente, no todo ou em parte, a obrigação, que deu lugar à execução” — danos que abarcam os lucros cessantes, na dicção do artigo 402 do Código Civil.

O STJ confirma a aplicabilidade da regra à execução fiscal[14], mas não temos notícia de que haja sido invocada com sucesso para o fim específico de recuperação dos gastos vinculados à garantia.

E tais despesas estão longe de ser desprezíveis. O custo anual de uma carta de fiança ou um seguro garantia (este, um pouco menor) varia de 0,5% a mais de 5% do valor garantido, a depender das condições do mercado financeiro e do perfil do contratante. Para certa empresa brasileira, em nada representativa da média dos contribuintes (receita anual de R$ 30 bilhões), as taxas hoje aplicáveis são 0,85% ao ano (seguro) e 1,5% ao ano (fiança).

Assim, considerando uma execução de R$ 100 milhões e o prazo de cinco anos entre o ajuizamento e o trânsito em julgado da decisão favorável ao contribuinte, tem-se uma despesa de R$ 4,25 milhões (seguro) ou R$ 7,5 milhões (fiança), suportada apenas para se ter o direito de opor — e vencer! — os embargos à execução, sem considerar os ganhos que a aplicação produtiva de tais recursos poderia ter proporcionado.

Pirro foi rei de Épiro, que se estendia por trechos das atuais Grécia e Albânia. Aliado de Taranto na resistência desta cidade meridional ao assédio romano, venceu batalhas cruentas em Heracleia (280 a.C.) e Ascoli Satriano (279 a.C.), até ser derrotado em Malevento (276 a.C.), por isso rebatizada Benevento pelos conquistadores. As baixas dramáticas que sofreu naquelas vitórias deram origem à expressão até hoje em voga[15].

Eis aí um forte candidato a patrono dos contribuintes brasileiros…

[1] Justiça em Números 2013, p. 292-296. Disponível em http://www.cnj.jus.br/images/pesquisas-judiciarias/Publicacoes/relatorio_jn2013.pdf

[2] Entendemos que a regra poderia abranger as execuções de tributos estaduais e municipais, por ser da União a competência para legislar sobre Direito Processual Civil e sobre Direito Penal (Constituição, artigo 22, inciso I).

[3] Relator Ministro Mauro Campbell Marques, DJe 31.05.2013.

[4] Recurso Extraordinário 626.468/RS, Relatora Ministra Ellen Gracie, DJe 23.11.2010.

[5] STF, Pleno, Extradição 811/PU, Rel. Min. CELSO DE MELLO, DJ 28.02.2003.

[6] STJ, 1ª Turma, Recurso Especial 1.394.408/SP, Relator Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, DJe 05.11.2013.

[7] STJ, 1ª Seção, Embargos de Divergência no Agravo 1.090.111/MG, Relator Ministro Mauro Campbell Marques, DJe 01.02.2011.

[8] STJ, 1ª Seção, Embargos de Divergência em Recurso Especial 1.077.039/RJ, Relator para o acórdão Ministro Herman Benjamin, DJe 12.04.2011.

[9] STJ, 2ª Turma, Recurso Especial 1.163.553/RJ, Relator para o acórdão Ministro Herman Benjamin, DJe 25.05.2011.

[10] Cândido Rangel Dinamarco. Instituições de Direito Processual Civil, vol. II, 5 ed. São Paulo: Malheiros, 2005, p. 635-636.

[11] Moacyr Amaral Santos. Primeiras Linhas de Direito Processual Civil, vol. 2, 20 ed. São Paulo: Saraiva, 1999, p. 298.

[12] STJ, 1ª Seção, Recurso Especial 1.036.656/SP, Relatora Ministra Eliana Calmon, DJe 06.04.2009

[13] STJ, Corte Especial, Embargos de Divergência no Recurso Especial 506.895/RS, Relator Ministro Luiz Fux, DJ 06.12.2004.

[14] STJ, 1ª Seção, Agravo Regimental nos Embargos de Divergência no Recurso Especial 582.079/RS, Relator Ministro Luiz Fux, DJ 29.05.2006.

[15] Indro Montanelli. História de Roma – da Fundação à Queda do Império. 2 ed. Lisboa: Edições 70, 2007, p. 51-56. Philip Matyszak. The Enemies of Rome – from Hannibal to Attila the Hun. London: Thames & Hudson, 2004, p. 14 e 21.

Igor Mauler Santiago é sócio do Sacha Calmon – Misabel Derzi Consultores e Advogados, mestre e doutor em Direito Tributário pela UFMG. Membro da Comissão de Direito Tributário do Conselho Federal da OAB.

Revista Consultor Jurídico, 16 de abril de 2014

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