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ConJur ouve Sacha Calmon sobre decreto federal relativo ao Carf


A Revista Eletrônica Consultor Jurídico ouviu a opinião do professor Sacha Calmon em reportagem acerca do decreto federal publicado no dia 30 de abril deste ano, que impede conselheiros do Carf de advogarem contra a Fazenda. 

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Impedimento de conselheiro do Carf não se estende a seu escritório

Como consequência da operação zelotes da Polícia Federal, que acusa conselheiros que representam os contribuintes no Conselho Administrativos de Recursos Fiscais (Carf) de vender decisões, o governo publicou decreto no dia 30 de abril impedindo-os de advogar contra a Fazenda. Uma restrição à atuação dos advogados, no entanto, não pode se estender ao escritório no qual o conselheiro trabalha, afirma o relator do Tribunal de Ética e Disciplina da Ordem dos Advogados do Brasil de São Paulo Pedro Paulo Wendel Gasparini.

“Não sou contrário que se tenha uma restrição ao conselheiro advogar no Carf. Agora, falar em extensão do impedimento à banca é um exagero e contrário à Constituição Federal”, opina o advogado, dizendo que essa proibição fere o artigo 5º, XIII, da Carta, que garante ser livre o exercício de qualquer profissão. O dispositivo faz uma ressalva para as normas específicas da atividade, mas Gasparini aponta que o Estatuto da Advocacia não diz nada sobre o assunto.

O argumento de que o conselheiro impedido poderia contar detalhes dos processos administrativos a seus colegas de escritório ou atuar nos bastidores do Carf para tentar obter decisões favoráveis é falho. O relator do TED da OAB-SP exemplifica: “Se for assim, você parte de uma premissa que o advogado, de antemão, vai cometer um ilícito ao Estatuto da Advocacia. Mas você não pode pressupor que isso vai acontecer. Senão, vamos pressupor que qualquer pessoa do mercado financeiro vai aplicar na bolsa com informações privilegiadas. E, com base nessas suposições, o mercado jurídico e o mercado de negócios não andam”.

De acordo com o advogado, o dilema de estender ou não o impedimento às firmas é semelhante ao das quarentenas de magistrados aposentados. Pela Constituição, o juiz, desembargador ou ministro aposentado que volta para a advocacia não pode atuar no tribunal ou jurisdição em que julgava por um período de três anos. Em 2013, o Conselho Federal da OAB alongou a restrição para todos os profissionais dos escritórios em que eles trabalham.

Porém, juízes federais de São Paulo e Brasília entenderam que a restrição contraria os princípios constitucionais da legalidade e da razoabilidade, e a anularam.

Gasparini diz que a questão do Carf tem sido “muito mal conduzida”. Mesmo que o governo tenha recentemente instituído uma gratificação para os representantes dos contribuintes, que pode chegar a R$ 11,2 mil, isso não configura incompatibilidade para a advocacia. Isso porque, diz ele, esse dinheiro é uma ajuda de custo, e não tem natureza salarial.

Além disso, prevê o advogado, a limitação vai afastar os melhores cérebros do Carf e de outros tribunais administrativos, como o Conselho de Recursos do Sistema Financeiro Nacional, chamado de “Conselhinho”, que revê decisões do Banco Central e da Comissão de Valores Mobiliários.

A questão dos impedimentos à advocacia de conselheiros do Carf e de seus escritórios será discutida pelo Conselho Federal da OAB na próxima segunda-feira (18/5).

Em 2013, ao julgar um caso envolvendo o Tribunal de Impostos e Taxas de São Paulo — órgão semelhante ao Carf, mas de tributos estaduais — o Conselho Federal decidiu que membros de tribunais ou conselhos administrativos podem advogar, uma vez que não recebem remuneração para exercer esses cargos.

Paridade necessária
Outra preocupação é que o escrutínio público ao qual o Carf está sendo submetido prejudique a imagem do órgão e de quem é ligado a ele. Há até quem proponha a extinção do conselho. Mas diversos advogados ouvidos pela ConJur saíram em defesa do tribunal administrativo. Para o ministro aposentado do STF Carlos Velloso, o Carf se destaca pela qualidade de suas decisões.

Por ser composto por especialistas, o órgão costuma “veicular boas teses jurídico-tributárias”, que, por conta de sua qualidade técnica, são usadas pelo próprio Judiciário na hora de discutir matérias semelhantes, lembra o ministro aposentado. O tribunal administrativo, descreve, é composto por “bons servidores do Fisco, experimentados no trato da matéria tributária, e advogados tributaristas, representantes dos contribuintes, todos de conduta ilibada”.

A “extrema relevância” da entidade, segundo o jurista Ives Gandra da Silva Martins, está na sua forma de promover o tão necessário equilíbrio entre Estado e contribuintes, por ser um órgão paritário na segunda instância administrativa.

Essa isonomia busca obter atender ao interesse administrativo de discutir questões fáticas em seus processos, explica o advogado Pedro Lunardelli, sócio da Advocacia Lunardelli. E, para fazer isso com eficiência, é preciso ter tribunais técnicos.

O advogado defende que o Carf forma um corpo de julgadores com alta qualidade técnica ao juntar funcionários do Ministério da Fazenda e profissionais indicados por entidades de representação dos contribuintes, como a Confederação Nacional da Indústria e a Confederação Nacional do Comércio.

Em artigo publicado nessa quarta-feira (13/5) na ConJur, o professor de Direito Financeiro da USP Heleno Torres critica a acusação de que dividir o conselho entre representantes da Fazenda Nacional e dos contribuintes seja a causa dos ilícitos apontados pela operação zelotes.

“O modelo paritário de composição do Carf, não é, por si só, a fonte de todos os seus males, como sugerido por alguns. Tampouco pode-se confundir a maioria dos advogados sérios e qualificados que ali atuam com a minoria sobre a qual pesam indícios de fraude. Os advogados são profissionais que atuam comprometidos com seu Estatuto, os quais, no exercício da profissão, devem manter ‘independência em qualquer circunstância’ (artigo 30, parágrafo 1º). Esta ‘independência’ coincide com as mais virtuosas expectativas que recaem sobre quaisquer tribunais administrativos”, argumenta Torres, que ainda diz que a única solução viável para acabar com esse sistema é atribuindo as garantias dos juízes aos conselheiros.

Na visão do professor de Direito Tributário da Fundação Getulio Vargas Marco Aurélio Greco, a principal função do Carf é de rever atos da Receita Federal. “É saudável que todo ato administrativo tenha revisão, especialmente atos que tenham punição. Isso é assegurar a legalidade do que vier a ser exigido pelo Estado”, ensina. Especialmente porque, como sustenta o tributarista Gustavo Brigagão, sócio do Escritório Ulhôa Canto, “nas relações tributárias, o contencioso administrativo com duplo grau de jurisdição é imprescindível para dar fundamento e legitimidade à Certidão da Dívida Ativa, que é objeto da execução fiscal. Nas relações privadas, esses títulos executivos são fundamentados, ou na expressa aceitação do devedor, que se manifesta por meio da sua assinatura em um título de crédito, ou em sentença judicial, que pressupõe a oportunidade que ambos, credor e devedor, tiveram para discutir o débito”.

Nas relações tributárias, Brigagão complementa, “é o próprio credor, o Estado, que lança o crédito tributário e emite o título que será objeto da execução. Se não houver a possibilidade de discutir o débito administrativamente, em duplo grau de jurisdição, não haverá como legitimar-se esse título”. O advogado é direto: “Se há patologias, elas devem ser investigadas e punidas. Extinguir o Carf não é alternativa”.

Seguindo essa lógica, o especialista em Direito Tributário Sacha Calmon diz não fazer sentido colocar sob suspeita todas as decisões do Carf. E mesmo casos específicos não podem ser anulados por meio de ato de ofício da presidente da República ou do ministro da Fazenda, alega o advogado. Em sua opinião, a única forma de fazê-lo é por meio de ação rescisória na Justiça.

Serviço à Justiça

O Carf também tem um importante papel no eficiente funcionamento do Judiciário, ressalta o presidente do Centro de Estudos das Sociedades dos Advogados (Cesa), Carlos José Santos da Silva, o Cajé.

“[O Carf] diminui a judicialização, porque muitos já se dão por satisfeitos com a decisão do órgão. Se você acaba com ele ou o desestrutura, colocando pessoas sem experiência ou extinguindo a paridade, pode enfraquecê-lo e gerar insatisfação com suas decisões, o que faria com que mais contribuintes recorressem mais ao Judiciário. Deveria ser de interesse do governo preservar o Carf”, esclarece.

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