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Prof. Sacha Calmon fala ao Consultor Jurídico


O site Consultor Jurídico, em reportagem de hoje, que trata da possibilidade de o Fisco mover ações rescisórias para recuperar o dinheiro usado pelos exportadores como crédito-prêmio do IPI desde 1990, entrevistou o professor Sacha Calmon para comentar o assunto.
 
 
Fisco pode mover rescisória para cobrar exportadores
 
A pesada derrota sofrida pelos exportadores nessa quinta-feira (13/8), quando o Supremo Tribunal Federal decidiu que o crédito-prêmio do IPI acabou em 1990, pode prejudicar até mesmo quem já tem decisão judicial transitada em julgado em sentido contrário. A Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional ameaça ajuizar ações rescisórias para recuperar cerca de R$ 50 bilhões em créditos-prêmio usados pelas empresas para pagar tributos por meio de compensação desde 1990.
 
Tributaristas afirmam que a estratégia não é possível juridicamente e esperam que o presidente Lula sancione a Lei de Conversão da Medida Provisória 460/09, que estende o crédito-prêmio até 2002. “Estamos refletindo sobre as consequências, não se sabe o que vai acontecer”, diz a advogada Ângela Bordim Martinelli, do escritório Celso Botelho de Moraes.
 
Nesta quinta, os ministros do STF entenderam que, como o benefício foi criado antes da Constituição Federal de 1988, teria de ser revalidado por uma lei em até dois anos depois da promulgação do texto constitucional. Como isso não aconteceu, o direito aos créditos expirou em 5 de outubro de 1990. Para os contribuintes, no entanto, a regra — prevista no artigo 41, parágrafo 1º, do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias — só se aplicaria a benefícios setoriais, o que exclui os exportadores por não serem um setor.
 
Segundo levantamento feito pela Fundação Getúlio Vargas, estavam em jogo R$ 70 bilhões em impostos a serem pagos com os créditos, dos quais R$ 50 bilhões já foram compensados e R$ 20 bilhões ainda terão de ser quitados. Já o fisco dizia que, para os cofres públicos, o valor chegaria a R$ 280 bilhões, caso todos os 30 mil exportadores exigissem o benefício.
 
Com a vitória, o fisco agora quer recuperar o prejuízo. Segundo o procurador-geral adjunto Fabrício Da Soller, a decisão da corte fortalecerá os argumentos da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional nas Ações Rescisórias que visam rever decisões já transitadas em julgado na Justiça em favor dos contribuintes. Empresas que tenham conseguido compensar débitos tributários com créditos-prêmio de IPI podem ter de ressarcir a Receita Federal pagando os valores em dinheiro ou compensando com outros créditos. O procurador aconselhou esses contribuintes a incluírem os débitos no parcelamento de longo prazo criado pela Lei 11.941, promulgada em maio. O chamado Refis da Crise permite o pagamento de dívidas em até 15 anos, com descontos nos acréscimos e encargos legais.
 
Cronômetro zerado
 
Para os tributaristas, os efeitos da decisão do Supremo alcançam somente as ações que ainda estão em tramitação. Os resultados de processos já transitados em julgado em favor dos contribuintes há mais de dois anos não podem mais ser alterados. “Decisão do Supremo não desfaz coisa julgada”, diz o professor de Direito Tributário Sacha Calmon, da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Segundo ele, embora haja a tese de que o direito de rescindir as decisões já dadas tenha nascido com o acórdão do Supremo, o Código Tributário Nacional não permite que Ações Rescisórias reclamem débitos já discutidos na Justiça. “Pelo CTN, a decisão judicial transitada em julgado extingue o crédito tributário”, afirma.
 
No entanto, não vai ser a primeira vez que o fisco usa a tática para reaver valores discutidos no Supremo. Desde o ano passado, a PGFN ajuíza Ações Rescisórias para reaver valores não pagos de Cofins por sociedades de profissões regulamentadas, que se baseavam na Súmula 276 do Superior Tribunal de Justiça para alegar isenção do tributo, de acordo com a Lei Complementar 70/91. A súmula garantia que a contribuição não era devida porque a Lei 9.430/96, que revogou a isenção, é ordinária e não poderia mudar disposição prevista em lei complementar. Em 2008, porém, o fisco conseguiu reverter a decisão no Supremo, que não modulou os efeitos do acórdão.
 
Mas a tática das rescisórias não ajudou só a Fazenda. O STF, em 2005, considerou inconstitucional o alargamento da base de cálculo para a cobrança do PIS e da Cofins sobre o faturamento das empresas, determinada pela Lei 9.718/98. Desde então, tributaristas ajuizam ações para rescindir julgados definitivos que favoreceram o fisco antes da decisão da corte.
 
O mesmo aconteceu dois anos mais tarde. Em 2007, o Supremo declarou a inconstitucionalidade da Lei 7.689/88, que instituiu a Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL) das empresas. Ao julgar a Ação Direta de Inconstitucionalidade 15, ajuizada em 1989 pela Confederação das Associações de Microempresas do Brasil, a corte entendeu que um dos artigos determinava a contribuição para períodos anteriores à entrada em vigor da lei, o que feria o princípio da anterioridade. Os ministros também declararam inconstitucional o artigo que tratava do antigo Fundo de Investimento Social, que já existia na época e que só poderia ser modificado por Lei Complementar e não por uma lei de conversão de medida provisória, como era o caso. As empresas foram então ao tribunais para reverter julgados que as obrigaram a pagar as diferenças — e conseguiram.
 
Para o tributarista Sacha Calmon, no entanto, o julgamento sobre o crédito-prêmio não reconheceu qualquer inconstitucionalidade, o que afasta a possibilidade de Ações Rescisórias. “Além disso, a Súmula 343 do Supremo proíbe o ajuizamento de Ações Rescisórias quando o assunto causou divergência nos tribunais”, afirma. Diz a Súmula 343 do Supremo: “Não cabe Ação Rescisória por ofensa a literal disposição de lei, quando a decisão rescindenda se tiver baseado em texto legal de interpretação controvertida nos tribunais”.
 
“Quem entrou com ações até 1995 tem o direito garantido. Depois disso, está dependendo da interpretação da Justiça”, considera o advogado Maurício Faro, do escritório Barbosa, Müssnich & Aragão Advogados. Ele lembra que o crédito prescreve em cinco anos, tanto para as empresas quanto para o fisco, mas não prevê o que pode acontecer aos exportadores a partir de agora. “Vamos esperar o acórdão sair para ver se não cabem embargos”, diz.
 
Já a advogada Ângela Martinelli sente os efeitos do julgamento desta quinta. “Temos vários clientes avaliando a possibilidade de sair do país”, diz. O motivo, segundo ela, é que as cobranças atrasadas de impostos pagos com crédito-prêmio virão com juros, multas e encargos, o que pode inviabilizar a atividade econômica no Brasil.
 
A esperança é sanção da Lei de Conversão da Medida Provisória 460/09, que aguarda posição da Presidência da República. A norma estende o direito ao crédito-prêmio até 2002. “Os créditos seriam aproveitados ao longo do tempo, sem abalo nas finanças públicas”, explica Martinelli.
 
A lei não tem apoio do Ministério da Fazenda quanto à extensão do crédito-prêmio — proposta que pegou carona na MP, que trata da tributação das construtoras inscritas no programa do governo federal Minha Casa, Minha Vida. Segundo o fisco, não houve qualquer acordo entre governo e empresas exportadoras quanto à prorrogação do crédito.
 
Na opinião do professor Sacha Calmon, a lei pode não ser compatível com a decisão do Supremo, o que motivaria o veto presidencial. No entanto, deveria ser criado imediatamente “um incentivo à exportação para todos os setores que enfrentam problemas de competitividade internacional, principalmente por causa do dólar baixo”, afirma. “Já perdemos 40% do mercado na América Latina, em países vizinhos. O que se dirá na China, que está um Oceano Pacífico distante?”
 
Décadas de disputa
 
O crédito-prêmio do IPI foi instituído pelo Decreto-lei 491 em 1969, durante o regime militar, para incentivar as exportações de produtos industrializados, permitindo que empresas compensassem o imposto recolhido por meio de créditos no mercado interno. O decreto isentava de IPI os produtos exportados e permitia que as indústrias se creditassem do imposto pago na compra de matérias-primas. O crédito foi mantido até 1983, quando expirou o prazo previsto pelos Decretos-lei 1.658 e 1.722, de 1979. As normas definiam uma redução trimestral de 5% do benefício, até sua extinção. No entanto, esses decretos foram revogados pelos Decretos-lei 1.724/79 e 1.894/81, que acabaram não estipulando uma nova data para a extinção, mas deram ao ministro da Fazenda o poder de fazê-lo.
 
Em 2004, o Supremo declarou os dois últimos decretos inconstitucionais quanto ao poder de extinção e redução do benefício pelo ministro da Fazenda — decisão aplicada pelo Legislativo por meio da Resolução 71/05 do Senado. Assim, não havia mais normas que afirmassem que o crédito-prêmio tinha acabado, voltando a vigorar o que dizia o Decreto-lei 491/69, segundo as empresas. Para o fisco, revogada uma norma que também revogou outra, a anterior teria voltado a valer, de acordo com o disposto na Lei de Introdução ao Código Civil — o Decreto-lei 4.707/42 —, que estabelece a chamada repristinação.
 
O Superior Tribunal de Justiça mudou duas vezes de entendimento. Primeiro, afirmou que o crédito não havia terminado devido à revogação dos decretos que o extinguiam. Em 2005, afirmou que o benefício acabou em 1983, como queria o fisco. Dois anos depois, a 1ª Seção entendeu que o benefício estava vigente até 1990, prazo dado pelo ADCT para a confirmação dos benefícios setoriais vigentes antes da Constituição. Como o argumento para a decisão foi constitucional, as empresas apelaram ao Supremo, alegando que a corte superior havia invadido a competência do STF.
 
Nessa quinta-feira, em uma tarde inteira de julgamento sobre o tema, os ministros do Supremo entenderam, por unanimidade, que o crédito-prêmio beneficiava apenas as indústrias e, por isso, era um incentivo setorial. Assim, se enquadrava nas regras do ADCT e precisava ser confirmado, depois de 1988, por uma lei específica. Como isso não aconteceu até 1990, o Plenário votou pela extinção.
 
Como o tema teve Repercussão Geral reconhecida, os processos judiciais que ainda discutem a matéria não subirão mais à corte, a não ser que tragam novos argumentos. Ao conversar com jornalistas depois do julgamento, no entanto, o ministro Ricardo Lewandowski, autor do voto vencedor e relator dos recursos, disse que pretende sugerir a edição de uma Súmula Vinculante sobre o tema, o que obrigaria as instâncias inferiores a aplicar o entendimento da corte aos casos.
 
Alessandro Cristo é repórter da revista Consultor Jurídico
 

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