Sacha Calmon fala à Exame sobre instabilidade da jurisprudência
A edição desta semana da revista Exame contém reportagem sobre as constantes mudanças de orientação dos tribunais no Brasil. O Prof. Sacha Calmon deu depoimento a respeito do assunto.
Quem perde com o vai-e-vem da justiça 05.10.2006
As empresas brasileiras estão cada vez mais expostas às recorrentes mudanças de visão dos diferentes tribunais
Divulgação
Supremo Tribunal Federal: revisão de decisões dos juízes Por Gustavo Paul
EXAME
As mais conhecidas mazelas da Justiça brasileira são sua lentidão e ineficiência. Tribunais abarrotados congestionam a tramitação de processos, e a legislação, antiquada e ruim, torna o Judiciário caro e pouco previsível. Nos últimos anos, um novo fenômeno ganhou corpo e vem preocupando juristas, advogados e empresários: o vai-e-vem das decisões dos tribunais superiores
Diversos julgamentos em andamento espelham o problema. Em agosto, o STF interrompeu a análise de uma ação que questiona a inclusão do imposto sobre circulação de mercadorias e serviços (ICMS) na base de cálculo da contribuição para o financiamento da seguridade social (Cofins) — uma combinação que aumenta o valor recolhido ao Fisco pelas empresas. Essa discussão estava encerrada desde a década de 90, quando o STJ entendeu ser legal a inclusão do ICMS na conta e o STF lavou as mãos ao considerar que o assunto não envolvia a Constituição. Recentemente, a antiga posição foi revista pela Corte Suprema, e as empresas se animaram com a nova tendência. Mas, apesar de a maioria dos ministros ter decidido a favor das companhias — o placar está em
Reviravoltas da Justiça | ||
Algumas interpretações dos tribunais superiores que foram revistas recentementevoltas da Justiça | ||
Questão julgada | Interpretação antiga | Nova interpretação |
Valor a ser pago de imposto sobre produtos industrializados (IPI) | Para o STF, as empresas que compravam insumos que não pagam IPI podiam receber créditos do imposto, que serviriam para abater sobre o total a ser pago à Receita | O STF passou a entender que não existe mais o direito aos créditos de IPI nas compras de insumos. Aumentou, assim, a carga tributária das empresas |
Valor a ser pago de imposto sobre produtos industrializados (IPI) pelas empresas exportadoras | Desde 1969, as empresas exportadoras passaram a ter direito a um incentivo fiscal nas vendas externas, o crédito-prêmio do IPI | Depois de várias decisões contraditórias nos diferentes tribunais, o STJ decidiu que o exportador não tem direito ao crédito-prêmio |
Valor a ser pago da Cofins | O STJ dizia que o ICMS deveria ser incluído no cálculo da Cofins, o que elevava o valor do tributo a ser pago. O STF não opinava | O STF está prestes a reverter a decisão, o que deve aliviar a carga.Até agora, há seis votos pela exclusão do ICMS e um contra |
Demissão por justa causa por alcoolismo | O TST aceitava a demissão por justa causa em caso de “embriaguez habitual” | O TST passou a entender que alcoolismo é doença. Não é mais pretexto para justa causa |
Pagamento de multa de 40% do FGTS no caso de pedido de aposentadoria | Para o TST, o empregado perderia o direito à multa de 40% do FGTS se pedisse aposentadoria e continuasse trabalhando | O STF entende que o empregado,mesmo com o pedido de aposentadoria, mantém o direito à multa de 40% do FGTS |
Fonte: Machado Associados |
Outro caso controverso é o que trata do direito de as empresas obterem créditos do imposto sobre produtos industrializados (IPI) mesmo na compra de insumos que não pagam esse imposto. Em dezembro de 2002, o STF julgou que as empresas teriam direito a esse crédito, mas dois anos depois voltou a examinar o caso e o placar se inverteu: está
Essas reviravoltas na Justiça cresceram nos últimos anos e uma das razões apontadas é a recente rotatividade dos juízes nos principais tribunais brasileiros: desde 2002, 30% dos ministros do STJ e 40% da equipe do TST foram substituídos. No STF, apenas o atual governo nomeou seis dos 11 integrantes. "Cada cabeça de ministro é uma nova sentença", afirma o jurista Sacha Calmon. Outra razão está no Congresso Nacional, que aprova leis com textos dúbios, sujeitos a várias interpretações, e nos decretos governamentais, alguns cheios de inconstitucionalidades. O acúmulo de processos tornou ainda mais dramática a situação. "O excesso de trabalho traz dificuldades para os ministros analisarem detidamente as ações", afirma Pierpaolo Bottini, secretário da reforma do Judiciário, do Ministério da Justiça. Tantos problemas somados indicam que a insegurança jurídica ainda vai atormentar as empresas por muito tempo.