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SCMD no JOTA: Carf e a abordagem para o Planejamento Tributário


O sócio-conselheiro do SCMD Tiago Conde Teixeira e o advogado Márcio Henrique César Prata tiveram artigo de sua autoria publicado pelo Portal Jota, intitulado ‘Carf e a abordagem para o Planejamento Tributário’.

Confira o artigo na íntegra:

Carf e a abordagem para o Planejamento Tributário

O tema “planejamento tributário” não é novo, porém, é recorrente nos julgamentos realizados no âmbito do Carf, em que a análise do caso concreto leva em consideração os limites para considerar sua validade perante o Fisco.

Recentemente a imprensa noticiou que o tema ágio será analisado pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) e os contribuintes guardam grandes expectativas acerca de uma nova análise do tema. A controvérsia em relação a este tema reflete no posicionamento do Tribunal Administrativo Federal. Utilizando a ferramenta de pesquisa disponível em seu sítio eletrônico[1], podemos destacar 137 acórdãos sobre o assunto, dos quais 29 foram favoráveis ao contribuinte, 57 desfavoráveis e 51 parcialmente favoráveis.

A proposta aqui não é esgotar o tema, muito menos discutir conceitos doutrinários sobre os termos utilizados pelos julgadores na fundamentação das decisões. O que se pretende é apresentar posicionamentos do Carf na análise do caso concreto envolvendo o tema.

É fato que a CF/1988 assegura o direito a livre iniciativa, garantido ao contribuinte a possibilidade de se auto-organizar e buscar uma forma de redução da carga tributária, dentro do campo da licitude. Nesse sentido, o planejamento tributário pode ser compreendido como um expediente a serviço da autonomia privada e da livre-iniciativa, na medida em que o ordenamento jurídico brasileiro garante a propriedade privada, nos limites de sua função social, facultando ao contribuinte organizar-se de forma que lhe imponha a menor carga tributária possível [2], assim, o contribuinte não é obrigado a adotar a forma mais onerosa tributariamente.

Do ponto de vista da teoria contábil, o ágio corresponde à diferença entre o preço dos ativos da sociedade, isoladamente considerados, e o valor de mercado da companhia, como entidade única em operação [3]. Ou seja, o ágio sob a ótica contábil constitui-se na apuração da diferença entre o valor pago pelo investimento e o valor justo dos ativos tangíveis e intangíveis da sociedade.

Por sua vez, em que pese a existência do conceito contábil de ágio, o legislador decidiu se afastar dele e criar um instituto jurídico autônomo, cujos efeitos não guardam relação com os previstos pela contabilidade, ainda que possua o mesmo nome. É dizer: a legislação tributária, com o Decreto-Lei nº 1.598/1977, criou um conceito próprio de ágio, que difere do conceito cunhado pela doutrina contábil [4]. Assim, atribuíram-se efeitos fiscais somente ao instituto jurídico do ágio, de forma que aquilo que é denominado ágio na esfera contábil não produz efeitos tributários.

Esse fenômeno ocorre porque o sistema jurídico, em decorrência do seu fechamento operacional, constrói a sua própria realidade por meio de normas jurídicas. Desse modo, quando um fato contábil, econômico ou de outra área da ciência ingressa no sistema jurídico, ele passa a ter seu próprio significado, que pode diferir do que possuía na ciência de origem. É dizer: o Direito busca substrato no mundo fático, mas o traduz em linguagem jurídica, transformando os fatos do mundo em fatos jurídicos com efeitos próprios.

Assim, apesar de já ter implicações no âmbito contábil, o reconhecimento do ágio enquanto instituto jurídico ocorreu por meio do Decreto-Lei nº 1.598/1977, em seus arts. 20 e seguintes. À luz do referido Decreto-Lei, o ágio corresponde à diferença entre o custo da aquisição do investimento e o valor do patrimônio líquido contábil da investida, devendo o contribuinte indicar o fundamento econômico do sobrepreço pago.

Dessa forma, conforme o art. 20 do Decreto-Lei nº 1.598/1977, reproduzido pelo art. 385 do Decreto nº 3.000/1999 (Regulamento do Imposto de Renda), no momento da aquisição da participação societária, o adquirente deve desdobrar o custo de aquisição em (i) o valor do patrimônio líquido da sociedade coligada ou controlada à época da aquisição e (ii) o valor do ágio ou do deságio.

Logo, é possível que o preço pago na aquisição de participação societária em determinada sociedade seja superior ou inferior ao valor patrimonial das ações.

Isso ocorre porque o valor patrimonial é apenas um dentre os diversos fatores que influenciam na determinação da venda das participações societárias, que normalmente decorrem de extensas negociações.

Diante dessas considerações, cumpre destacar o entendimento firmado no acórdão nº 1201-003.561, consignando que na medida em que as operações societárias são calcadas em atos lícitos e diante da inexistência de legislação apta a limitar a capacidade do contribuinte de se auto-organizar e de gerir suas atividades com o menor ônus fiscal, não há que se falar em abuso.

Nesse sentido, as normas gerais de controle de planejamento tributário relacionadas às figuras do abuso de direito, abuso de forma, negócio jurídico indireto e inexistência de propósito negocial não têm amparo no direito tributário brasileiro e, portanto, não podem ser utilizadas como fundamento para a exigência de IRPJ e de CSLL.

O mesmo posicionamento foi adotado no acórdão nº 1201-003.203, que possibilitou a dedução do ágio pretendida pelo contribuinte, em razão da ausência de apresentação de irregularidades na sua formação pelo Fisco, bem como a possibilidade de dedução das despesas de juros e variação cambial em relação a contrato de mútuo entre pessoas ligadas.

Em relação ao tema, outro tipo de operação que merece destaque diz respeito à devolução de capital a valor contábil e sua tributação. A matéria já foi analisada em alguns casos no âmbito da 1ª Turma da CSRF, que em virtude da análise do caso concreto, apresentou decisões distintas.

O entendimento firmado no acórdão nº 9101-004.335, foi no sentido de que a redução de capital social após recebimento de oferta vinculante de compra de ações da empresa por terceiros configura planejamento tributário abusivo.

Isso porque, a opção por reduzir o capital social da empresa deve ser efetivada antes da alienação do ativo, pois a partir do momento em que o preço do negócio está delimitado, projetando-se o ganho de capital, as operações passam a ter contornos exclusivamente fiscais e evidenciam ausência de propósito negocial, o que é suficiente para autorizar a desconsideração de seus efeitos no âmbito tributário; ou seja, apesar de a redução de capital estar prevista em lei e consistir em opção dos sócios da pessoa jurídica, não pode ser admitida em situação em que, acordada a venda de ativo da empresa, referida redução seja utilizada apenas para alterar a incidência tributária sobre o ganho capital daí decorrente.

No caso concreto, consignou-se que para efetivar opção fiscal válida, a contribuinte deveria ter promovido a transferência das ações antes de receber oferta vinculante de compra das ações, visto que já havia interesse na alienação dos ativos e apresentação de oferta não vinculante.

De forma distinta, o acórdão nº 9101-004.709 entendeu que a redução de capital não pode ser considerada como ilegítima, seja a valor contábil, seja em valor de marcado. Isso porque, a redução de capital, com a negociação dos ativos pelo acionista, em momento posterior, não apresenta nenhum impedimento legal, pelo contrário, a norma legal induziu o comportamento de redução de capital a valor contábil, indução que é determinante para se vislumbrar a legalidade da conduta do contribuinte no presente caso.

Nesse sentido, destacou-se que o art. 22 da Lei nº 9.249/1995 prevê que os bens e direitos do ativo da pessoa jurídica, que forem entregues ao titular ou a sócio ou acionista, a título de devolução de sua participação no capital social, poderão ser avaliados pelo valor contábil ou de mercado, assim, é lícita, portanto, a devolução de bens e direitos aos acionistas pelo valor contábil.

Outra divergência em relação ao tema, diz respeito à aplicabilidade do art. 116, parágrafo único do CTN, que se verifica em ralação aos casos analisados pelo Carf. No acórdão nº 1302-003.229, entendeu-se que o disposto no art. 116, parágrafo único do CTN, é uma norma de eficácia limitada. Nesse sentido, consignaram que enquanto não for editada a lei ordinária exigida no referido diploma legal, não pode a autoridade fiscal desconsiderar atos lícitos praticados pelo contribuinte sob a alegação de abuso de direito de auto-organização.

Por outro lado, de maneira diversa, o acórdão nº 2402-008.111, entendeu o Colegiado que o art. 116, parágrafo único do CTN, é uma norma nacional, imediatamente aplicável aos entes federativos que possuam normas sobre o procedimento administrativo fiscal, que, no caso da União Federal, consubstancia-se no Decreto nº 70.235/1972, recepcionado pela CF/1988 com força de lei ordinária.

Nesse sentido, destacaram que exigência de regulamentação, mediante procedimentos a serem estabelecidos em lei ordinária, consignada no referido diploma legal, encontra-se suprida pelo Decreto nº 70.235/1972. Assim, A norma geral antielisiva deve ser interpretada no sentido da sua eficácia, vez que esta interpretação é a que melhor se harmoniza com a CF/1988, em especial com o dever fundamental de pagar tributos, com o princípio da capacidade contributiva e com a reprovabilidade social ao abuso de formas jurídicas de direito privado.

O tema é de relevância única para as empresas e merece maiores debates, sendo o posicionamento do Carf de grande importância como forma de promover a justiça fiscal. O STJ, última palavra na interpretação da Lei Federal, analisará o caso e os contribuintes possuem uma nova oportunidade para discussão técnica do tema.

O episódio 49 do podcast Sem Precedentes faz uma análise sobre o que o Supremo Tribunal Federal precisa dizer sobre a prisão de deputados. Ouça:

Referências

[1] Utilizamos como parâmetro de pesquisa os temas “planejamento tributário” e “propósito negocial”, em relação aos acórdãos formalizados no período de 01/01/2019 a 31/01/2021. No tocante a classificação utilizada como “favorável” ao contribuinte ou ao Fisco, foi utilizada a metodologia de provimento ou parcial provimento ao recurso julgado.

[2] GERMANO, Livia de Carli. Planejamento tributário e limites para a desconsideração dos negócios jurídicos. São Paulo. Ed. Saraiva. 2013. P.28-29.

[3] MARTINS, Eliseu; e IUDÍCIBUS, Sérgio de. “Intangível – sua relação Contabilidade/Direito – teoria, estruturas conceituais e normas – problemas fiscais de hoje”. In: MOSQUERA, Roberto Quiroga; e LOPES, Alexandre Broedel (coords.). Controvérsias jurídico-contábeis (aproximações e distanciamentos). 2º volume. São Paulo: Dialética, 2011, p. 78

[4] Apesar de distintos, a definição jurídica do ágio, dada pelo Decreto-Lei nº 1.698/1977, foi largamente utilizada na prática, para fins de registro contábil, por muito tempo. Essa situação foi substancialmente alterada após a edição do CPC 15, em 2011. A partir dele, a contabilidade brasileira passa a adotar o conceito de ágio previsto nas normas internacionais da contabilidade, conforme será tratado adiante.

CLIQUE AQUI para acessar o artigo no Portal JOTA.

 

 

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