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Site Consultor Jurídico destaca opinião de Igor Mauler Santiago

12 de janeiro de 2008
Em reportagem sobre a quebra de sigilo bancário, o site Consultor Jurídico ouviu Igor Mauler Santiago.

 

 

 

Viúvas da CPMF

Governo faz pressão contra sigilo bancário e fiscal

 

por Lilian Matsuura

 

O sigilo bancário e fiscal não é absoluto. Ele pode ser quebrado por ordem do Poder Judiciário ou a partir de solicitação de Comissões Parlamentares de Inquérito, exceto as municipais. Isso é o que prevê a Constituição e diz o Supremo Tribunal Federal. Na prática, contudo, o sigilo de dados fiscais e bancários do cidadão parece-se cada vez mais com uma ficção jurídica ameaçada a cada dia por medidas tomadas pelo Estado sem maiores cerimônias.

 

Uma onda de ataques ao sigilo econômico do cidadão ganhou força a partir do fim da CPMF no final do ano passado. O motivador desta onda é justamente buscar substitutos para o controle de contas e gastos dos contribuintes que era possível ser feito através do imposto ao cheque.

 

Foi esta também a intenção do Tribunal de Contas da União ao determinar à Receita Federal que lhe facultasse, sob pena de multa diária, o acesso amplo e irrestrito, no prazo de 15 dias, aos dados que ela armazena dos contribuintes. No caso do TCU, a onda foi quebrada pelo ministro Gilmar Mendes, presidente em exercício do Supremo Tribunal Federal.

 

Julgando liminar em Mandado de Segurança apresentado pelo secretário da Receita Federal do Brasil, Jorge Rachid, o ministro suspendeu a decisão do TCU. No Mandado de Segurança, a Receita sustenta que compartilhar seu banco de dados com o TCU contraria a proteção constitucional à privacidade e à intimidade dos contribuintes. Afirma ainda que as informações requeridas “têm o condão de revelar a situação econômico-financeira dos contribuintes que não manipulam verbas públicas, nem se encontram submetidos à fiscalização do TCU”.

 

Mudança de posição

 

Em 2002, o então secretário adjunto e atual titular da Receita defendia a edição de decreto que autorizasse a Receita a ter acesso às informações bancárias dos contribuintes que mantinham contas ou aplicações, que usavam cartões de crédito e movimentassem valores acima de R$ 5 mil.

À época, argumentava que a quebra do sigilo se justificava pela necessidade de combater a sonegação. Na verdade, entendia que não se tratava propriamente de quebra de sigilo. “O sigilo bancário não está sendo quebrado, ele só está sendo transferido para a Receita Federal”, declarou. O Decreto 4.489/2002 foi editado pelo presidente Fernando Henrique Cardoso, mas no final do mesmo ano, com a reabilitação da CPMF, foi revogado.

Com o fim do imposto do cheque agora, Lula já havia substituído FHC na presidência, mas a solução para manter os contribuintes sob vigilância foi semelhante: a Receita Federal publicou a Instrução Normativa 802, que determina que os bancos devem prestar informações sobre movimentação de seus correntistas para o Fisco.

 

Pela instrução, as instituições financeiras devem repassar informações dos correntistas cuja movimentação semestral global chegue a R$ 5 mil no caso de pessoas físicas, e R$ 10 mil no caso de pessoas jurídicas.

 

A nova norma tem a mesma função do revogado Decreto 4.489/2002. Ele nasceu para regulamentar a Lei Complementar 105/2001, que diz quais são as instituições que detêm sigilo de dados dos cidadãos e como ele deve ser tratado.

 

Ives Gandra Martins, na ocasião da promulgação da lei, declarou: “entendo que a Lei Complementar 105/2001 não foi endereçada ao sonegador, mas exclusivamente contra o Poder Judiciário para afastá-lo como julgador moderado, abrindo campo para uma certa dose de arbítrio, que o governo deseja ter para cobrir sua incapacidade (…) e em que as autoridades não primam pela boa gestão da coisa pública”.

 

Sobre o decreto afirmou que ele punia os bons contribuintes “deles retirando qualquer garantia, visto que sempre dependerão de humores da fiscalização, pródiga em ofertar à lei distorcida interpretação”.

 

Controvérsia

 

Nessa discussão, há a corrente dos que comemoram o despacho do ministro Gilmar Mendes, baseado no inciso X do artigo 5º da Constituição. O dispositivo diz que são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação. O inciso XII é mais específico: “é inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas (…)”

 

Em casos excepcionais, o sigilo pode ser requerido no interesse de investigação criminal, em suspeita de fraude, que tragam mínimos indícios de autoria da pessoa que terá os seus dados abertos a instituições a que não pertencem.

 

Mas há os que entendem que o sigilo fiscal e bancário não têm garantia constitucional. Para Fábio Wanderley Reis, cientista político e professor da Universidade Federal de Minas Gerais, é evidente o interesse público da fiscalização exercida pela Receita e, portanto, os direitos fundamentais dos cidadãos têm de ser entendidos como relativos.

 

Em artigo publicado no jornal Valor Econômico, escreve que não há na Constituição qualquer norma que garanta expressamente o sigilo bancário, apesar da garantia genérica, no artigo 5º, da inviolabilidade da intimidade e do sigilo de dados. Ao invés disso, diz, o artigo 145, em seu parágrafo 1º, diz que a administração tributária deve cumprir os objetivos, nos termos da lei e respeitando os direitos individuais, podendo “identificar o patrimônio, os rendimentos e as atividades econômicas do contribuinte”.

 

Guerra ao crime

 

Em nome do combate à violência, o governo federal defende que todos os seus órgãos possam trocar informações disponíveis sobre o contribuinte. Foi o que defendeu o advogado-geral da União José Antônio Dias Toffoli em parecer preliminar apresentado em encontro do Enccla (Estratégia Nacional de Combate à Corrupção e à Lavagem de Dinheiro), em dezembro de 2007.

 

Segundo o advogado-geral, “essa troca de dados não configura quebra de sigilo, mas transferência dele”. E elas não aconteceriam de forma imotivada. Toffoli esclarece ainda que a controvérsia existe porque a Constituição Federal não tratou explicitamente do sigilo bancário ou fiscal em seu texto. Ela fala sobre sigilo de dados. E por isso dá margem a vários tipos de interpretação.

 

O parecer elaborado pela AGU está sendo analisado por diversos órgãos públicos que enviarão as suas sugestões e opiniões. A partir deles é que será feito um parecer definitivo. No primeiro trimestre de 2008 ele estará pronto, pelos cálculos do ministro Toffoli.

 

“Um segredo que todo mundo conhece não é mais segredo”, constata o tributarista Igor Mauler ao comentar o parecer da AGU. Para ele, não se pode ferir o sigilo dos dados dos contribuintes como forma de combate à criminalidade. “Essa forma de abertura dos dados não trará ganho nenhum para a sociedade”, critica.

 

Mauler não tem dúvidas de que a Constituição Federal defende o sigilo bancário e fiscal do cidadão. Ressalta que este não é absoluto, mas a quebra deve depender de fortes indícios, justificativas e um bom fundamento apresentado por um membro do Judiciário.

 

Segundo o tributarista, a LC 105/2001 nunca entrou de fato em vigor porque ficava encostada na CPMF. Com a extinção do imposto, ele acha que as duas Ações Diretas de Inconstitucionalidade que a contestam devem entrar na pauta de julgamento.

 

O criminalista Luís Guilherme Vieira concorda. Diz que todas as solicitações de quebra de sigilo devem passar pelo Judiciário e recordou que há diversas decisões do Supremo Tribunal Federal nesse sentido. Muitas delas, inclusive, citadas pelo ministro Gilmar Mendes na liminar contra acórdão do Tribunal de Contas da União.

 

Um dos emblemáticos julgamentos da Corte aconteceu em 1992. O delegado da Polícia Federal Aparecido Lopes Feltrin pedia a quebra do sigilo bancário do ex-ministro Antonio Rogério Magri e de sua mulher, porque, no lixo da “mansão” do casal, foram encontradas duas cintas usadas pelos bancos para prender dinheiro no valor de CR$ 5 milhões e CR$ 1 milhão.

 

Na ocasião, o ministro Carlos Velloso sustentou que “o sigilo bancário somente pode ser afastado no curso de um procedimento criminal ou de um inquérito policial formalmente instaurado, em que haja indiciamento do acusado, com a indicação do delito praticado, com pelo menos, um indício de prova relativamente à autoria e a materialidade”. Para ele, o artigo 5º da CF funciona como uma garantia do direito à privacidade.

 

O ministro Celso de Mello votou no mesmo sentido. Segundo o ministro, o artigo 5º, X, da CF é uma proteção em favor do indivíduo e “contra a ação expansiva do arbítrio do Estado — uma esfera de autonomia intangível e indevassável pela atividade persecutória do poder Público, apta a inibir e a vedar o próprio acesso dos agentes governamentais”.

 

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