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Valor Econômico publica artigo de profa. Misabel Derzi

28 de agosto de 2009
O jornal Valor Econômico, em sua edição de hoje, traz artigo da professora Misabel Derzi intitulado “Mudanças nos julgamentos tributários”, destacando seu recém-lançado livro “Modificações da Jurisprudência no Direito Tributário”.
 
 
Legislação & Tributos
Mudanças nos julgamentos tributários
Misabel Derzi
 
Nas sociedades contemporâneas complexas, as regras jurídicas – e nos referimos em especial às tributárias – devem pautar o comportamento das pessoas, presidir as decisões no mundo dos negócios, criar expectativas e inspirar confiança. Crise de confiança é crise do sistema, que impede todo planejamento, afastando os investimentos e gerando incerteza. Aqueles que seguem as normas jurídicas não podem ser frustrados com a cobrança retroativa do imposto, além da imposição de pesadas penalidades pecuniárias, que lhes precipita a falência.
 
No Brasil, desde a Constituição do Império, o legislador está proibido de frustrar tais expectativas, de modo que, ao alterar as leis, fica impedido de atingir os fatos inteiramente consumados no passado. Há décadas, igualmente, o administrador tributário não pode fazer decretos retroativos, nem tampouco modificar as declarações já feitas ou as respostas dadas a consultas formuladas pelos contribuintes, de modo a atingir fatos pretéritos. Portanto, se assim é para o Poder Legislativo e Executivo, por que não para o Judiciário?
 
O Poder Judiciário não pode alterar o seu entendimento livremente, invadindo o passado, sem proteger a confiança e a boa-fé daqueles que, de acordo com a jurisprudência vigente, pautaram o seu comportamento. Os exemplos se avolumam. No Supremo Tribunal Federal (STF), o julgamento do RE nº.370.682-SC-2007 negou o direito à dedução dos créditos presumidos do IPI, relativos à aquisição de produtos sujeitos à alíquota zero. Tal decisão, tomada sem nenhuma mutação do texto da Constituição, é alteração do entendimento anterior, expresso pela corte no RE nº 350.446-PR, que tinha reconhecido o direito à dedução. Não importa discutir o mérito de tal decisão. O que importa é que, decorridos cinco anos, e embora o precedente alterado não tivesse transitado em julgado, nesse prazo, dezenas de recursos extraordinários que nele se apoiavam foram decididos monocraticamente pelos ministros da própria corte, que também acreditavam na definitividade do primeiro entendimento, posteriormente superado. Se o precedente reformado não tinha transitado em julgado, não é adequado falar em aplicação do princípio da irretroatividade, que se liga à vigência das normas no tempo, mas certamente será necessário invocar os princípios da proteção da confiança e da boa-fé objetiva para proteger o contribuinte. Se as singelas declarações de servidores públicos, esclarecimentos em consultas etc, obrigam o Estado, não tem sentido denegar a responsabilidade por julgamentos monocráticos de ministros da mais alta corte.
 
A mesma questão pode se repetir no RE 590809-RS, dessa vez em face da isenção. Depois de adotar em numerosos julgados a posição de que isenção não se confunde com alíquota zero, o tribunal vinha concedendo, de longa data, o direito à dedução de créditos presumidos no IPI, relativos à aquisição de matéria-prima isenta. A tal ponto se consolidou tal jurisprudência que até mesmo o legislador cuidou de elaborar normas similares, para reger a não-cumulatividade nas contribuições para o PIS e a Cofins, negando o direito ao crédito no caso da alíquota zero, mas reconhecendo-o na hipótese da isenção. Uma reviravolta jurisprudencial nesse tema poderá significar insegurança e prejuízos de milhões para muitos contribuintes se a corte não der à nova norma judicial a ser criada efeitos não retroativos.
 
O STJ tem, com mais frequência ainda, feito oscilar os seus julgados, em temas como forma de contagem da decadência e da prescrição; o crédito-prêmio do IPI etc.
 
As variações jurisprudenciais são inerentes à condição humana. Coube a Pontes de Miranda, ao dissertar sobre a milenar regra da irretroatividade, perceber as conexões entre as normas retroativas e a opressão religiosa. A Carta de Gregório IX (1230) e o direito canônico, que atuou nos Editos do século XVI, afirmaram a não retroação como regra, mas sempre autorizaram aos papas a retroatividade das regras, quando consistissem em revelação do direito divino (Coment. à Const. de 1967…, tomo V, RT, 1974, p.17).
 
Mas as regras humanas são limitadas pelo tempo. Nada de destemporalizar, pois as técnicas históricas e primitivas do totalitarismo coincidiram com a violência e o arbítrio incontrolado da regra, que pode nascer mesmo para trás, como alerta François Ost. Quando os juízes não são deuses, mas se inserem em um estado de direito, a imparcialidade com que devem decidir também deve ser afetada pela sensibilidade à precariedade da condição humana, falível e sujeita ao desconhecido complexo da contemporaneidade.
 
Felizmente, o Supremo e o STJ, nos últimos anos, e a propósito dos mesmos exemplos invocados acima, têm sinalizado com a responsabilidade pela confiança gerada por meio de seus julgados e a voz de alguns ministros tem ecoado em defesa da segurança, da proteção da confiança e da boa-fé dos contribuintes.
 
Misabel Derzi é professora titular de direito tributário da UFMG, presidente da Associação Brasileira de Direito Tributário (ABRADT) e autora do livro "Modificações da Jurisprudência no Direito Tributário"
 

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