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Valor publica artigo de André Mendes Moreira: O Supremo entre o passado e o futuro

11 de dezembro de 2019


O Valor Econômico publicou artigo de autoria do sócio conselheiro do SCMD, André Mendes Moreira, em conjunto com Eduardo Lopes de Almeida Campos, intitulado “O Supremo entre o passado e o futuro”. O artigo aborda o debate em torno da exclusão do ICMS da base de cálculo da contribuição para o PIS/Pasep e da Cofins.


O Supremo entre o passado e o futuro

Modular efeitos de julgados alegando impacto financeiro equivale a negar que a fonte suprema do direito seja a Constituição.

Na separação de poderes, cabe ao Legislativo projetar o futuro, ao Executivo implementar o presente e ao Judiciário verificar se o passado ocorreu de acordo com o script constitucional.

Essa divisão temporal entre as funções dos poderes constituídos explica as razões pelas quais o Poder Judiciário, toda vez que atua, modifica situações pretéritas, determinando o seu refazimento. Inconstitucionalidades não são sanáveis pelo decurso do tempo. A proteção da Constituição se faz por meio do restabelecimento do ‘status quo ante’.

Em raras situações, as decisões definitivas do Supremo Tribunal Federal (STF) podem produzir efeitos apenas pro futuro. Tal medida somente é autorizada em situações excepcionais, visando à promoção da segurança jurídica e à preservação do interesse social.

Existe hoje o debate sobre a modulação da eficácia de decisão da Suprema Corte que determinou a exclusão do ICMS da base de cálculo da contribuição para o PIS/Pasep e da Cofins. Quando o STF decidiu, ainda em 2017, que as aludidas contribuições somente poderiam incidir sobre o valor líquido da venda (excluído o ICMS destacado em nota fiscal), a União Federal pediu imediatamente a postergação temporal dos efeitos do decisum.

De acordo com o pleito de modulação, a “nova” forma de cálculo do PIS/Cofins somente deveria ocorrer a partir do trânsito em julgado do leading case. Com isso, os contribuintes que pagaram tributos além do permitido pela Constituição ficariam impedidos de pleitear a restituição do que lhes foi indevidamente exigido.

Enquanto se aguarda o julgamento, ressurgem argumentos que defendem a modulação. Alerta-se para o impacto nas burras estatais e anuncia-se que a União fora “surpreendida” com a declaração de inconstitucionalidade, pelo que não está financeiramente preparada para cumprir a Constituição.

Sugere-se também que a não modulação configuraria enriquecimento sem causa das empresas, que teriam repassado o custo dos tributos aos consumidores de seus produtos e serviços. Sobre serem injurídicos, tais argumentos não devem sensibilizar a Corte nem a sociedade.

Primeiramente, o impacto orçamentário sempre existirá em litígios tributários. Invocá-lo como fundamento para modulação de efeitos equivale, em analogia esportiva, a dar a medalha de campeão ao segundo lugar, com o objetivo de minimizar os efeitos (naturais) da derrota no jogo. Ademais, a via é de mão dupla: de um lado, tem-se o orçamento da União. De outro, está o caixa das empresas que investem e geram empregos. A modulação iria na contramão da segurança jurídica e colocaria em prática a máxima do “ganha, mas não leva”.

Em segundo lugar, inexiste a alegada “surpresa” do governo federal: a discussão em tela é vetusta, fortaleceu-se na década de 1990 e ganhou status de repercussão geral em 2008. A partir de então, as Leis de Diretrizes Orçamentárias passaram a reconhecer a contingência como um risco fiscal. Há no mínimo 12 anos, portanto, a União planeja as providências que serão tomadas caso perdesse. Qual a novidade para os cofres públicos? Nenhuma.

Em terceiro lugar, a alegação de enriquecimento sem causa das empresas não possui bases jurídicas. Trata-se da primeira vez que se invoca tal argumento em tributos diretos (suportados diretamente pelos empresários). O PIS e a Cofins oneram as companhias, não os consumidores. São tributos inconfundíveis com aqueles criados a repercutir no preço, como o ICMS. O debate é inócuo de largada.

Contra a modulação, pesa ainda o fato de que a União detém a competência tributária residual. Em outras palavras, o governo federal pode instituir novos impostos e contribuições não previstos na Constituição, sempre que o Congresso Nacional aprovar. A conta, por conseguinte, pode ser paga com a criação de um novo tributo, se isso for realmente necessário.

No passado, ante o reconhecimento pelo STF da necessidade de correção monetária das contas vinculadas do FGTS por expurgos inflacionários, a União criou contribuições para arcar com o pagamento determinado pela Suprema Corte (Lei Complementar nº 110). O orçamento necessário para custear a medida foi angariado, inclusive com excedentes.

Modular efeitos de julgados em matéria tributária alegando impacto financeiro equivale a negar que a fonte suprema do direito seja a Constituição. No futuro, a se confirmar tal entendimento, bastará uma instrução normativa da Receita Federal para que os contribuintes sejam premidos a pagar mais do que a Constituição exige. E, quanto mais grave for a inconstitucionalidade, maiores serão o impacto fiscal e as chances de sua convalidação pelo STF, a se adotar a tese propugnada pela União.

Cabe à Constituição traçar as linhas de comportamento exigíveis de cada ator social, público e privado. E ao Judiciário compete consertar o passado para que os erros não se repitam no futuro. É assim que Montesquieu concebeu a tripartição de poderes que, há séculos, ilumina as nações mais desenvolvidas do planeta.

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