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Eduardo Maneira: Ativismo judicial e segurança jurídica

16 de agosto de 2012

O Jornal Valor Econômico e o Site Intelog publicaram artigo do sócio Eduardo Maneira, intitulado “Ativismo judicial e segurança jurídica”, confira:

Ativismo judicial e segurança jurídica

Eduardo Maneira

A expansão do Poder Judiciário na vida institucional brasileira é fato incontestável. O Supremo Tribunal Federal (STF), em especial, tem decidido questões de larga repercussão social e política.

A judicialização no Brasil, assim entendido como o protagonismo institucional e político do Poder Judiciário, tomou vulto com a redemocratização do país, tendo como marco a Constituição Federal de 88, que incorporou temas antes tratados no plano da legislação ordinária, ampliando o papel político do STF.

O Poder Judiciário exerce cada vez com mais desenvoltura o ativismo judicial, criando uma forte linha de tensão no desejado equilíbrio entre os poderes.

O embate ocorre pelo fato de que, diante de tantas normas inconstitucionais, o Judiciário é constantemente convocado a afastá-las do ordenamento. Isso gera nos jurisdicionados a sensação de instabilidade das regras jurídicas.

Além disso, as decisões judiciais têm produzido eficácia muito além das partes envolvidas no processo, em razão dos efeitos vinculantes de seus julgados, tanto no controle difuso quanto no concentrado. Com isso, as decisões dos tribunais superiores passam a ter aplicação generalizada, que até pouco tempo era atributo exclusivo da norma emanada do poder legislativo.

Mais grave é que as decisões judiciais com efeitos amplíssimos não têm se mantido estáveis. Os tribunais superiores têm revisto sua própria jurisprudência com uma frequência incomum.

O Poder Executivo, de sua vez, se serve abusivamente das medidas provisórias, decretos e outros instrumentos normativos invadindo a competência do Legislativo. Exerce, ainda, ilegitimamente, funções típicas do Judiciário ao decidir, por meio de ato normativo baixado por autoridade fazendária, que legislações de outros Estados da federação são inconstitucionais, anulando seus efeitos dentro do seu território, em um ambiente de guerra fiscal.

O Legislativo, cada vez mais atrofiado no seu papel de criar o direito positivo, apenas dá legitimidade às normas emanadas do Executivo, tomando poucas vezes a iniciativa de um projeto de sua autoria.

Em suma, o Judiciário e o Executivo legislam cada vez mais, enquanto o Legislativo é cada vez menos poder. Decisões judiciais com efeitos amplíssimos não têm se mantido estáveis.

Em matéria tributária não deveria haver espaço para o ativismo judicial. A Constituição outorga poderes à União, Estados, Distrito Federal e municípios para instituírem tributo por lei. Este exercício jamais poderá ser feito pelo Judiciário.

De sua vez, os princípios constitucionais tributários são normas de aplicação direta que dispensam regulamentação infraconstitucional, sem abrir espaço para o ativismo judicial.

De qualquer modo, não se pode negar que nos tempos atuais o Judiciário invalida, com frequência, as ações de outros poderes, bem como exerce o papel de legislador positivo, o que exige a ampliação do raio de ação dos princípios que visam garantir segurança jurídica à coletividade.

A positivação da segurança jurídica em matéria tributária está materializada na Constituição Federal, de 1988, nos princípios da legalidade, anterioridade e irretroatividade, que, em conjunto, representam o que denominamos de “princípio da não surpresa do contribuinte”.

O princípio da não surpresa deve ser aplicado não somente à lei mas às decisões do Judiciário de amplo alcance, ou seja, àquelas cujos efeitos extrapolam os autos dos processos em que são proferidas, bem como àquelas em que o Judiciário atua como legislador positivo.

Por exemplo, quando se atribui ao STF o poder de modular os efeitos temporais de suas decisões, o princípio da não surpresa deve conduzir tal modulação em matéria tributária. Se a modulação decorrer de mudança na jurisprudência até então favorável ao contribuinte, a não surpresa passa a ser aplicada à nova orientação jurisprudencial, para que o contribuinte que seguia a orientação antiga e consolidada não seja surpreendido.

Dito de outro modo, deve ser conferido efeito “ex nunc”, em obediência ao princípio da não surpresa, a eventual modificação de jurisprudência em detrimento dos contribuintes. A orientação é outra quando a decisão é desfavorável às Fazendas Públicas, que devem necessariamente ter efeito “ex tunc” ou retroativos. Não se pode alegar que o Estado possa ser surpreendido, com eventual declaração de inconstitucionalidade de lei tributária. Todos os princípios tributários são limitações ao poder de tributar e não podem ser invocados por quem é titular desse poder.

Deve-se ainda aplicar a não surpresa em decisões proferidas em desfavor do contribuinte em sede de ação rescisória, bem como nas que cassam liminares e outras formas de tutela de urgência que dispensavam o contribuinte do pagamento do tributo. Isto porque, são casos em que a obrigação de pagar tributo volta a existir em decorrência de uma decisão judicial.

Desta forma, a partir do momento em que a lei oriunda do Legislativo deixa de ser a única fonte de obrigação tributária, a segurança jurídica fica abalada a não ser que os princípios e regras constitucionais passem a atuar em face das decisões judiciais e dos atos do Executivo.

Assim, a não-surpresa que ora se propõe, amplia o raio de ação desses princípios e regras para que eles sejam aplicados em face de “atos normativos” emanados do Judiciário e do Executivo (nos casos de guerra fiscal, por exemplo), do mesmo modo em que são aplicados em relação à lei nova que cria ou aumenta tributo.

Em sentido amplo, o princípio da não-surpresa deve também atuar como instrumento constitucional de limitação ao poder judicial de tributar, fenômeno do século XXI.

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