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Um novo marco da tributação internacional: blueprints para os pilares 1 e 2 da OCDE

Por
18 de novembro de 2020

André Mendes Moreira, Fernando Daniel de Moura Fonseca e Aluizio Porcaro Rausch.

OCDE promoverá evento virtual de consulta pública em que se pretende discutir o tema.

No dia 12 de outubro, a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (“OCDE”) oficialmente publicou os Blueprints para os Pilares 1[1] e 2[2], os seus mais recentes projetos em tributação internacional. Dizemos que esta é uma publicação oficial da OCDE, porque, em 03 de setembro, versões anteriores dos Blueprints foram disponibilizadas pela professora Allison Christians, da Universidade de Montreal[3]. As versões oficiais são ligeiramente diferentes.

Projeto BEPS 2. Os Blueprints são uma continuação do já conhecido e bastante discutido Projeto BEPS (sigla para base erosion and profit shifting). Especificamente, são uma expansão de seu Action 1 – Tax Challenges Arising from Digitalisation, que, dentre as quinze ações do Projeto BEPS, é a com maior foco nos mercados digitais.

Ademais, os Blueprints são claramente uma resposta da OCDE à percepção de múltiplos países de que suas recomendações originais[4] foram insuficientes para enfrentar os desafios tributários nos mercados digitais e em relação às grandes empresas de tecnologia.

Em última análise, o objetivo da OCDE com os Blueprints é “(…) restabelecer a estabilidade da estrutura tributária internacional e prevenir a adoção de novas medidas tributárias unilaterais não-coordenadas”[5] (tradução livre). Afinal, a unilateralidade normativa está no cerne dos abusos tributários que deram origem ao Projeto BEPS.

Blueprint para o Pilar 1. O principal desafio decorrente da digitalização da economia é como estabelecer nexo tributário para atividades remotas que logicamente autorize a alocação de renda a determinada jurisdição local.

Tradicionalmente, o nexo tributário para a tributação da renda de pessoas jurídicas é eminentemente físico: certa jurisdição tributa uma pessoa jurídica porque esta tem local de constituição, registro, administração, sede ou filial, entre outros, em seu território (nexo pessoal); ou porque alguma parte envolvida ou certa atividade produtiva relacionada à transação econômica está fisicamente conectada àquele território (nexo objetivo).

Por outro lado, esse nexo tributário físico é coadjuvante na economia digital, na medida em que empresas podem ter presença econômica em determinada jurisdição sem qualquer presença física. Logo, as normas tributárias tradicionais, inclusive os atuais conceitos de estabelecimento permanente e princípio da plena concorrência, são cegas à nova dinâmica econômica global, causando sub-arrecadação internacional generalizada.

Nesse contexto, o Blueprint para o Pilar 1 propõe a expansão do nexo tributário nas jurisdições de mercado onde há atividade econômica remota (i.e. online) ativa e constante. Em termos gerais, o conceito de “jurisdição de mercado” é diferente do conceito de “jurisdição de origem/fonte”, porque não está atrelado a fluxo efetivo de pagamento, mas sim a local onde localizados os usuários de serviços digitais e os consumidores de produtos comercializados digitalmente.

Especificamente, essa expansão de nexo tributário seria implementada por (i) alocação de jurisdição tributária sobre a renda residual de multinacionais (“Amount A”), e (ii) determinação de resultado tributável mínimo, i.e. uma presunção de lucro mínimo, sobre atividades de marketing e distribuição (“Amount B”).

A descrição detalhada sobre os cálculos que fazem parte do Blueprint para o Pilar 1 excede os objetivos do presente texto. De todo modo, essa expansão de nexo tributário seria aplicável às atividades econômicas de interação com o consumidor (Consumer Facing Businesses, “CFB”) e aos serviços digitais automatizados (Automated Digital Services, “ADS”).

Em termos sumarizados, CFB seriam operações de venda de mercadorias e prestação de serviços para consumidores, inclusive através de intermediários, franquias e licenças; enquanto ADS seriam as operações realizadas mediante automatização digital (i.e. interação humana mínima da parte do prestador de serviço) e padronização em larga escala de modo a atingir base global de usuários e consumidores com emprego de pouca ou nenhuma infraestrutura nas jurisdições de mercado.

Alguns exemplos de CFB e ADS são, respectivamente: (i) empresas farmacêuticas (com certas exceções), franquias (inclusive em distribuição de produtos), e licenciamento de propriedade intelectual a ser conectada com determinado produto ou serviço (e.g. marca de roupa); e (ii) serviços online profissionais e de ensino padronizados, alienação de dados de usuários, ferramentas de busca online, e plataformas de mídia social.

Blueprint para o Pilar 2. Não obstante o Blueprint para o Pilar 1 propor expansão de nexo tributário e consequente alocação adicional de renda tributável para jurisdições de mercado, o assunto não acaba aí.

Ter o direito de tributar não necessariamente significa tributar, uma vez que o exercício do direito pode não ocorrer (algumas jurisdições não tributam certos itens de renda) ou normas secundárias podem afastar a incidência (e.g. isenções, benefícios fiscais).

Assim, o Blueprint para o Pilar 2 propõe o binômio (global anti-base erosion rules, “GloBE Rules”) regra de inclusão de renda (income inclusion rule, “IIR”) e regra de pagamentos sub-tributados (undertaxed payments rule, “UTPR”). As GloBe Rules somente seriam aplicáveis para multinacionais com receita bruta agregada anual de, no mínimo, 750 milhões de euros.

Em termos gerais, a IIR funcionaria como um sistema adicional de inclusão da renda auferida por controladas no exterior (controlled foreign corporations, “CFCs”), levando ao aumento da base tributária da jurisdição de residência da controladora em razão do acréscimo de renda líquida estrangeira sujeita a tributação abaixo de determinada alíquota efetiva mínima.

Regras complementares são também propostas pela OCDE no Blueprint para o Pilar 2, como a regra de supressão de tratados tributários (switch-over rule, “SOR”) e a regra de sujeição à tributação (subject to tax rule, “STTR”). Porém, excede os objetivos deste texto descrevê-las em maiores detalhes, pelo que se sugere a consulta ao texto original da OCDE.

Próximos Passos. Até 14 de dezembro de 2020, a OCDE receberá comentários formais de pessoas interessadas sobre os Blueprints para os Pilares 1 e 2. Posteriormente, em janeiro de 2021 (a data específica ainda não foi divulgada), a OCDE promoverá evento virtual de consulta pública em que se pretende discutir os principais comentários.

Diversos são os pontos a serem solucionados, como patamares mínimos para aplicação das diversas regras, expansão de conceitos, previsão de exceções, e desenvolvimento de segurança tributária e métodos para resolução de conflitos. De todo modo, caso venham a ser aprovados, os Pilares 1 e 2 seriam novo marco da tributação internacional e um dos melhores exemplos da progressiva aproximação tributária mundial iniciada há mais de um século.

[1] OECD (2020), Tax Challenges Arising from Digitalisation – Report on Pillar One Blueprint: Inclusive Framework on BEPS, OECD/G20 Base Erosion and Profit Shifting Project, OECD Publishing, Paris, https://doi.org/10.1787/beba0634-en.

[2] OECD (2020), Tax Challenges Arising from Digitalisation – Report on Pillar Two Blueprint: Inclusive Framework on BEPS, OECD/G20 Base Erosion and Profit Shifting Project, OECD Publishing, Paris, https://doi.org/10.1787/abb4c3d1-en.

[3] https://www.allisonchristians.com/blog/oecd-draft-reports-on-pillars-1-amp-2.

[4] OECD (2015), Addressing the Tax Challenges of the Digital Economy, Action 1 – 2015 Final Report, OECD/G20 Base Erosion and Profit Shifting Project, OECD Publishing, Paris, https://doi.org/10.1787/9789264241046-en.

[5] OECD (2020), Cover Statement by the Inclusive Framework on the Reports on the Blueprints of Pillar One and Pillar Two, OECD/G20 Base Erosion and Profit Shifting Project, OECD Publishing, Paris, http://www.oecd.org/tax/beps/cover-statement-by-the-oecd-g20-inclusive-framework-on-beps-on-the-reports-on-the-blueprints-of-pillar-one-and-pillar-two-october-2020.pdf.

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