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Reforma do PIS/Cofins pode iniciar a redução da burocracia fiscal


Artigo publicado em 31 de março de 2018, na Revista Consultor Jurídico.

Por André Mendes Moreira e Eduardo Campos

Tem sido anunciada uma reforma da contribuição para o PIS/Pasep e da Cofins como a próxima medida do governo federal de impacto na economia. Vista como um prelúdio à reforma tributária ampla, ela sugere modificações que têm como uma das prioridades a neutralidade sob o ponto de vista fiscal.

Isto é, apesar de pretenderem uma ampliação das possibilidades de tomada de crédito sobre a aquisição de insumos, adotando-se finalmente o método do crédito financeiro, a entrada de setores antes excluídos do regime não cumulativo e a elevação das alíquotas atuais visam garantir que a reforma não acarrete perdas arrecadatórias para a União.

Além de simplificar a apuração do PIS/Cofins, a mudança visa dar o tom para a criação futura de um IVA (Imposto sobre o Valor Agregado) nacional, o que depende ainda da incorporação do ISS, do ICMS e do IPI ao projeto e a fusão desses tributos para a criação do que, provavelmente, será o Imposto sobre Operações com Bens e Serviços (IBS). O contexto é altamente favorável.

Em primeiro lugar, é importante ressaltar que a União perdeu em parte a batalha no Superior Tribunal de Justiça pela definição do conceito de insumo para fins de apuração de crédito nessas contribuições. Ao decidir pela ilegalidade do conceito trazido pelas instruções normativas RFB 247/02 e 404/04, que endossavam o método do crédito físico, a corte superior pôs fim ao contencioso federal de maior vulto nessa matéria (envolvendo R$ 50 bilhões), o que reduz a perspectiva de perda fiscal com a reforma das contribuições.

No entanto, cabe ressaltar que a vitória dos contribuintes foi apenas parcial, na medida em que também não foi adotada plenamente a teoria do crédito financeiro. O meio termo utilizado, embora amplie as possibilidades de creditamento, causa incertezas, na medida em que institui uma casuística baseada na essencialidade do insumo para cada processo produtivo analisado.

Em segundo lugar, sabe-se que o Brasil tem ampliado esforços para se tornar membro da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), sendo de grande ajuda para a admissão a simplificação do sistema tributário e a projeção de uma perspectiva real para a criação de um IVA nacional, mais harmônico, assim, com os sistemas tributários dos países que já são membros. Sobram, portanto, razões para que o governo dê início à transformação dessas contribuições em um tributo mais simples de ser apurado e cuja receita seja mais previsível.

Contudo, é notório que a reforma, que pode ser votada ainda neste ano para vigorar a partir de 2019, traz o desafio de uma difícil fase de adaptação. Assim, é prematuro considerá-la de antemão uma vitória em prol da simplificação da legislação e da desoneração dos custos de compliance fiscal. Não obstante, essa é a expectativa final do processo, ao lado de uma redução de gastos do próprio governo, já que a redução da litigiosidade e da fiscalização não pode ser ignorada como forma de redução de despesas com a manutenção da máquina administrativa.

A reforma será implementada gradualmente, passando primeiro pela contribuição para o PIS/Pasep, menos onerosa, para só então atingir a Cofins, cujas alíquotas são maiores. Isso significa que, ao menos temporariamente, os contribuintes deverão conviver com uma dualidade de sistemas de apuração: um baseado no crédito financeiro, e outro, na versão intermediária consolidada pela jurisprudência do STJ, cuja base é o conceito impreciso de essencialidade ao processo produtivo.

Também alguns setores, antes incluídos no regime cumulativo, poderão ter que conviver com os regimes cumulativo e não cumulativo simultaneamente, até que ocorra a unificação para ambas as contribuições. Tudo isso pode, inicialmente, agravar os custos para lidar com a burocracia fiscal ou mesmo elevar a carga tributária de alguns contribuintes, até que a modificação plena se consolide.

Outro desafio iminente envolve o setor de serviços. Menos suscetível à tomada de crédito, tendo em vista a menor utilização de insumos, a reforma precisa definir se trará uma alíquota menor, se atribuirá algum tipo de crédito presumido ou mesmo se deixará as empresas desse setor fora da nova sistemática, preservando-as no regime cumulativo.

Do mesmo modo, há o problema da própria equalização das alíquotas. Para que a reforma seja bem-sucedida e sirva de fato como molde para uma reforma tributária mais ampla, o Poder Legislativo não pode reincidir no erro das leis 10.637/02 e 10.833/03, que instituíram demasiadas exceções à regra geral, comprometendo o estabelecimento de uma alíquota eficiente e justa (já que os contribuintes incluídos acabam pagando pelas exclusões).

Por fim, deve-se levar em conta a necessidade de evitar a reincidência de outro erro pertinente às legislações anteriores das contribuições, qual seja, o de delegar ao poder regulamentador do Executivo a definição de aspectos importantes da incidência tributária por meio da utilização descuidada de conceitos indeterminados, como o de insumo. Além de incentivar o aumento do contencioso fiscal, a técnica (ou falta dela) do uso de conceitos indeterminados é prejudicial à generalidade, estabilidade e previsibilidade do sistema tributário, ferindo, em última instância, o princípio da legalidade.

Superados esses e outros desafios, pode-se esperar um avanço considerável em matéria de legislação fiscal, eliminando-se parte da complexidade sistêmica que prejudica tanto a eficiência arrecadatória do Estado quanto a eficiência administrativa das empresas, além de assoberbar o Poder Judiciário e os tribunais administrativos com conflitos evitáveis.

A redução da burocracia fiscal, embora seja um passo ainda pequeno, pode ser um avanço em matéria de técnica legislativa e de administração fiscal, servindo de fato como um exemplo e um sinal positivo para a futura reformulação do complexo sistema tributário nacional.

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